Cosmogonia e Cosmologia na filosofia.


Para que se possa entender, será importante saber os conceitos de cosmogonia e cosmologia na Grécia antiga, bem como a maneira como se dá a passagem de uma para a outra forma de entender a origem do universo.
 

A cosmogonia estuda a origem e o desenvolvimento do universo de acordo com uma “genética” universal ou genealogia dos seres. 

Por meio da personificação dos elementos - água, ar, terra, fogo - e da mesclagem entre eles, a cosmogonia explica a origem de todas as coisas e a ordem do mundo. 

Já a cosmologia é a explicação da ordem do mundo e do universo pela determinação de um princípio originário e racional, que é origem e causa das coisas e de sua ordenação. 

O cosmos, ou ordem, é o desdobramento racional e inteligível deste princípio originário.  

Citando-se o comentador Cornford, diz que existe “um parentesco e uma diferença importante entre a cosmogonia e a cosmologia”

O parentesco está no fato de ambas se preocuparem com a maneira como a partir do caos surgiu um mundo ordenado. 

A diferença entre as duas consiste no fato de que, enquanto a cosmogonia elabora uma genealogia dos elementos de uma forma mítica, a cosmologia busca explicações racionais para a organização do mundo. 

O melhor exemplo de uma cosmogonia é a obra Teogonia de Hesíodo. Werner Jaeger (1992, p.20) nos diz que nesta importante obra está a semente da filosofia nascente. 

O livro de Cornford ao qual Chauí se refere é From Religion to Philosophy, Harper and Brothers, 1957; 15 filósofos aludiam frequentemente à concepção de caos e origem das coisas conforme sua narrativa na Teogonia

Quando Cornford examina a cosmogonia contida na Teogonia de Hesíodo, ele nos mostra que nela se encontra o modelo geral que será seguido depois pelas cosmologias dos primeiros filósofos, ou seja: 

1) no começo há o caos, isto é, um estado de indeterminação em que nada aparece; 

2) dessa unidade primordial vão surgindo, por segregação e separação, os pares de opostos – quente-frio, seco-úmido – que diferenciarão as quatro regiões principais do mundo ordenado, isto é, o céu de fogo, o ar frio, a terra seca e o mar úmido; 

3) os opostos começam a se reunir, a se mesclar, a se combinar, mas, em cada caso, um deles é mais forte que os outros e triunfa sobre eles, tornando-se o elemento predominante da combinação realizada; 

4) desta combinação e mescla nascem todas as coisas, que seguem um ciclo de repetição interminável (CORNFORD, 1975, p.312 e ss.). 

Desta forma, ainda de acordo com Cornford, “a união faz nascer, a separação faz morrer, ambas dando origem aos astros e seus movimentos, às estações do ano e ao nascimento e morte de tudo o que existe”

Este será o modelo seguido pelos filósofos quando elaborarem suas cosmologias: unidade primordial, segregação ou separação dos elementos, luta e união dos opostos, mudança cíclica eterna

Com os primeiros filósofos, os chamados pré-socráticos, as antigas cosmogonias se transformam em cosmologias. 

Esta é a principal inovação trazida pelos primeiros pensadores ocidentais em relação à antiga forma de se entender a origem do mundo. 

Essa mudança ocorre na medida em que os elementos são “despersonalizados” e não mais tratados como deuses individualizados ou mitos, mas, sim, como forças impessoais, ativas, imperecíveis, forças naturais que se combinam, se separam, se dividem, segundo leis que lhe são próprias, dando origem às coisas e ao mundo ordenado. 

Além da mudança de cosmogonia para cosmologia, houve uma outra grande mudança. 

Os présocráticos não pretenderam explicar apenas a origem das coisas e da ordem do mundo, mas também, e sobretudo, os princípios das mudanças e repetições, das diferenças e semelhanças entre as coisas, de suas modificações e transformações, assim como a causa de sua corrupção ou morte.  

Além disso, buscaram algo mais: a permanência de um fundo sempre idêntico, sempre igual a si mesmo, imutável sob as mudanças. 

Surgia, assim, a busca por um princípio de unidade: 

[...] sob a mudança e a multiplicidade das coisas buscaram a permanência e a unidade do princípio que as sustenta. 

Buscaram a identidade oculta e subjacente aos contrários, aos opostos. 

Aquilo que causa as mudanças, mas permanece imutável em si mesmo: aquilo que dá origem à multiplicidade das coisas, mas permanece idêntico a si mesmo

Não será difícil entender como, a partir destas buscas, se desenvolveria um campo propício para a receptação de crenças religiosas cujos caminhos cruzariam em diversos momentos com a trajetória filosófica, criando entre si ricos pontos de intersecção.

 

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