GEOMETRIA SAGRADA SIMBOLISMO E INTENÇÃO NAS ESTRUTURAS RELIGIOSAS - GRECIA ANTIGA (6)

 

"Com a harmonia, com a celestial harmonia
Teve início essa estrutura universal;
E, de harmonia em harmonia,
Percorreu todas as notas da pauta,
Culminando o diapasão no homem ao fina!.”
Dryden, A Song for Sr. Cecilia's Day.


Os gregos antigos foram notáveis por sua abordagem pioneira e experimental do mundo. 

Numerosos filósofos elabararam teorias que outros discutiram com argumentas ponderados e experimentos práticos. 
Nesse ambiente estonteante, uma descoberta importante que exerceu grande influência sabre a geometria sagrada foi feita por Pitágoras no século VI a.C. 

Ele descobriu que as cordas percutidas em um instrumento soavam em harmonia quando as suas extensões estavam relacionadas a uma outra por determinados números inteiros.

Pitágoras fizera a descoberta radicalmente importante de que os tons podem ser medidos em termos de espaço.

Ele descobriu que as consonâncias musicais podem ser expressas em razões de números inteiros. 

Por exemplo, se duas cordas vibram sob as mesmas condições, tendo uma a metade da extensão da outra, a afinação da corda menor será um diapasan (uma oitava) acima da maior. 
Se as cor­das possuírem uma razão de extensão 2:3, a diferença de afinação será um diapente (uma quinta) e, se a razão de extensão for 3:4, a diferença será um diatessaron (uma quarta). 

Essas consonâncias pitagóricas são, assim, expressas em termos da progressão simples 1:2:3:4, que contém, além do diapasan, da diatessaron e de dia­pente, a oitava-e-quinta, 1:2:3:, e duas oitavas, 1:2:4.

Quando este esquema foi redivulgado no século XVI da era cristã, ele constituiu a base dos sistemas harmônicos da arquitetura sagrada da Renascença. 
A descoberta de Pitágoras foi considerada em termos de uma revelação divina da harmonia universal

Todo o universo podia então ser explicado em termos matemáticos. 

A fim de conseguir mestria sobre esse universo, afirmavam os pitagóricos, o homem devia descobrir os números que estão ocultos em todas as coisas. 
A revitalização dessa doutrina vinte e dois séculos depois foi responsável pelo desenvolvimento explosivo da ciência que reformulou o mundo em sua imagem moderna.

Os pitagóricos afirmaram que os números eram unidades independentes que possuíam determinadas dimensões espaciais indivisí­veis e eternas. 
Todavia, a despeito dessa teoria, eles foram capazes de, na prática, perceber que as diagonais dos quadrados, por exem­plo, não são mensuráveis em unidades inteiras. 
Pitágoras chamava esses números de "incomensuráveis". Mais tarde, números como V3 foram chamados de "irracionais", isto é, que não podem ser expres­sos em medida. De qualquer maneira, a idéia pitagórica das unidades finitas foi rapidamente criticada por Zenão, que, por meio do seu famoso paradoxo, desacreditou a teoria.

Pitágoras afirmava que esses números e suas proporções eram fundamentais para a estrutura de todo o mundo. O cubo era a perfeição culminante, pois é impossível, em termos de geometria clássica, ir além da terceira dimensão de comprimento, de largura e de altura.



Levando adiante o saber pitagórico sobre o número, Platão (428-347 a.C.), em seu Timeu, declarou que a harmonia cósmica está contida em determinados números formados nos cubos e nos quadrados de proporção dupla e tripla que começam na unidade. 
Eles são criados por duas progressões geométricas - 1, 2, 4, 8 e 1, 3, 9, 27. 
Tradicionalmente representados com a letra grega lambda, eles impregnam a tradição geométrica européia desde a Grécia até a era moderna. 
Para Platão, a harmonia do universo estava expressa em sete números (o próprio 7 é um número místico): 1, 2, 3, 4, 8, 9, 27 - figuras que abarcam os mistérios do macrocosmo e do microcosmo, números adequados mais que todos os outros para in­corporação à arquitetura sagrada.


Na sua prescrição para a fundação de uma nova cidade, Platão afirmou que todos os detalhes exigiam a atenção mais dedicada. 

Declarou que os templos deviam ser erigidos ao redor de um mercado e por toda a cidade em pontos elevados. 
A natureza geométrica do plano da cidade era dada por reconhecida. 
Seu desenho geomân­tico devia ser regulamentado por uma Comissão Urbana dotada de poderes para proibir quaisquer alterações não autorizadas. 
Acredita­va-se que esse desenho geomântico que governava a cidade devia ser essencial à felicidade dos habitantes. 

Platão acreditava que o povo jamais conheceria a felicidade se os desenhistas de suas cidades fos­sem artistas que não tomassem o divino como seu padrão.

Esse padrão divino, tal como apresentado na República de Platão, era um esquema cosmológico que representa o microcosmo. 
Até mesmo o número de habitantes da cidade era ideal - 5.040 moradores, que ocupavam o mesmo número de iates. Esse número é quase universalmente divisível, sendo derivado da multiplicação sucessiva dos números de 1 a 7, donde ser divisível por todos os números de 1 a 10, bem como por 12. 
Todo o território que rodeasse a acrópole devia ser dividido em 12 partes, mas a igualdade deveria ser assegurada pela condição engenhosa de que os alotamentos de terra ruim deviam ser maiores do que os alotamentos de terra boa - uma tarefa difícil, se não impossível. 

A República era um micro­cosmo alegórico em todo sentido. Todos os seus atributos geométricos e numerológicos refletem o ideal divino, cuja consumação, se con­seguida, uniria o homem ao universo - o que sempre foi o objetivo final dos mágicos e dos alquimistas.

O geômetra mais famoso de todos os tempos, Euclides, era, naturalmente, grego. 
Sua obra, conhecida como Elementos, tornou­-se o manual da geometria até este século. 
Nela, por meio de teoremas e provas, as relações básicas da geometria foram definidas de maneira racional. 
Sua geometria era puramente teórica e pode representar a primeira vez na história que a teoria foi estudada em si mesma e não como parte integrante de uma praxis. 

Em Euclides, a geometria prática está diretamente relacionada às razões do número inteiro que eliminam qualquer necessidade de medir ângulos. 
Assim, até a Renascença, quando número e medição angular se tornaram importantes para a artilharia, as razões do número inteiro eram invariavelmente empregadas na arquitetura sagrada.

No seu livro A History of Architecture in All Countries, James Fergusson escreve:

"O sistema da proporção definida que os gregos emprega­vam no desenho dos seus templos foi outra causa do efeito que eles produzem sobre as mentes incultas. 
Para eles não só a altura deveria' ser igual à largura, ou comprimento duas vezes a largura - mas toda e qualquer parte devia ser proporcional a todas as partes com que ela se relacionava, em alguma razão tal como 1 para 6, 2 para 7, 3 para 8, 4 para 9, ou 5 para 10, etc. 
A medida que o esquema avança, esses números tor­nam-se consideravelmente altos. Nesse caso, eles revertem para alguma razão simples, tal como 4 para 5, 5 para 6, 6 para 7, e assim por diante.”

Essa proporção não está tão evidente, em nenhum outro lugar, como no Partenon, em Atenas. 
Esse magnificente templo pagão, agora em ruínas, foi construído como substituto de um templo menor de Atenas que fora destruído pelos persas em 480 a.C. 
Por ter sido construído sobre as fundações de. um templo mais antigo, que por sua vez também substituíra uma Sala do Trono micênica, o Par­tenon foi projetado mais como medidas micênicas do que com o usual pé grego. 

As dimensões principais foram tão bem escolhidas que correspondiam a números redondos em pés tanto gregos quanto micênicos, uma tarefa não de todo difícil, já que as medidas estão relacionadas na razão 10:9. 
Essa relação simples é freqüentemente encontradiça em medidas relacionadas, tais como os pés galeses, ingleses e saxões.

A geometria do Partenon foi tão bem planejada, que incorpo­rava todas as medidas significativas. 
Suas dimensões foram meticulosamente registradas por Francis Cranmer Penrose, um arquiteto in­glês que mediu o templo com uma precisão que considera até mesmo um milésimo do pé inglês. 
Penrose determinou que o Partenon não foi construído com linhas retas, mas utilizou curvas matemáticas sutis na sua estrutura. 

Assim, o Partenon representa outra ordem de geometria, algo quase fora do comum. Penrose determinou que existem similaridades essenciais entre as estruturas geométricas do Partenon e da Grande Pirâmide. 
As elevações das fachadas do Par­tenon foram determinadas pela Seção Dourada e os lados foram baseados no fator phi. 

O Professor Stecchini calculou que os desvios mínimos encontrados nas bases tanto do Partenon quanto da Grande Pirâmide foram cometidos deliberadamente e não eram resultado de pequenos erros de cálculo. 
Na sua opinião, a relação entre (I) e phi na extremidade e no lado do Partenon é um paralelo daquela que existe entre a face norte da Pirâmide (I) e o lado oeste phi.

A largura das fachadas do Partenon era tal, que indicava um segundo de um grau no equador. 
Assim, as partes individuais da estrutura, todas comensuravelmente proporcionais em relação à geometria subjacente a todo o edifício, eram proporcionais às dimensões da própria Terra. 
A harmonia divina, assim engendrada, integra o edifício com o cosmos. 

Ele se torna parte integrante da harmonia global do mundo e é, dessa maneira, um receptáculo perfeito para adoração. A necessidade tríplice de um templo funcional - orien­tação, geometria e medida - estão presentes no Partenon e em qualquer outro edifício verdadeiramente sagrado plantado em qual­quer canto da Terra. Esse grau de integração não é conseguido por meio de nenhum outro método.

A geometria impregnou toda a esfera da vida grega. 

A conexão íntima entre a forma geométrica e a história sagrada pode ser vista no problema supostamente insolúvel da duplicação do cubo. 
Os délios, que, na época de Platão, estavam sendo vitimados por uma peste, consultaram o oráculo para cons,eguirem um meio de dela se libertarem. 
O oráculo ordenou-Ihes duplicar um dos seus altares cúbicos. Dirigiram-se então aos geômetras da Academia e lhes pediram resolvessem o problema como um assunto de urgência nacio­nal. 

Na verdade, trata-se de um problema insolúvel pelos métodos clássicos da geometria e, por conseguinte, está excluído da categoria da geometria sagrada. 
É um equivalente em termos geométricos do extrair a raiz cúbica de dois, que não pode ser expressa em termos de números inteiros nem em termos de raízes quadradas de números inteiros. 

O fato de esse problema ter sido proposto pelo oráculo indica a seriedade com que a geometria estava investida na Grécia. A observância correta da forma geométrica na arquitetura sagrada era um ato mágico qu
e. poderia livrar um país de uma dificuldade.

A duplicação do cubo foi mencionada num drama teatral grego, agora perdido. 
O geógrafo Eratóstenes, que utilizou esse conhecimento geométrico para medir o tamanho da Terra, relata numa carta escrita ao rei Ptolomeu IIl do Egito que um dos poetas trági­cos antigos se refere ao problema. 
Na peça, ele apresenta o rei Minos sobre o palco erigindo uma tumba para seu filho Glauco, e então, percebendo que a estrutura era muito insignificante para um mauso­léu real, ordenou "duplicá-Ia mas preservar-lhe a forma cúbica".

Esses dois exemplos enfatizam a importância do volume na arquitetura sagrada egipto-grega. Como as dimensões internas do cofre colocado dentro da Grande Pirâmide, a capacidade das estruturas sagradas merecia consideração primária. 

Exemplos posteriores da Europa medieval e renascentista também mostram que a capacidade era o fator mais determinante. 

As dimensões internas eram sempre estipuladas no desenho das igrejas e das capelas, ao passo que geo­metria sagrada elevacional era aplicada às elevações exteriores. O "problema délio", como ficou conhecido, da duplicação do cubo foi reduzido por Hipócrates de Chios a uma questão de geometria plana, isto é, à descoberta de duas proporcionais entre duas linhas retas, a maior das quais deve ser o dobro da menor. 

Esse foi mais um dos problemas teóricos pelos quais Euclides e seus seguidores se toma­ram conhecidos. Ele levou à descoberta das seções cônicas.
Já neste período tão primitivo, esse interesse literalmente aca­dêmico pela geometria dividia o assunto em duas disciplinas distin­tas, a prática e a matemática

Ao passo que havia (e ainda há) uma grande coincidência entre as geometrias sagrada e matemática, as raízes do cisma podem ser encontradas nos esforços feitos pelos filósofos gregos na tentativa de resolver os problemas geométricos do oráculo.
A beleza da arte grega foi o resultado prático das meditações dos filósofos. 

Naqueles tempos, quando a reverência pagã antiga para com o mundo ainda não havia sido superada pela espoliação a todo custo que caracteriza a civilização industrial, todo objeto que passasse pelas mãos dos artesãos continha propriedades sagradas. 
O artesão, diferentemente da sua contrapartida moderna da linha de produção, estava consciente da natureza sagrada dos materiais com que trabalhava e da sua responsabilidade como fiduciário do mate­rial que manipulava.

Porque toda a Terra era sagrada, os materiais também eram sagrados e, assim, a modelagem era um ato de adoração. Era imperativo que o artesão trabalhasse com o melhor da sua habilidade e em concordância com os materiais de que dispunha; assim, a aplicação da geometria sagrada era absolutamente natural. 
Os vasos gregos requintadamente belos foram analisados por geômetras modernos tais como Caskey e Hambidge, que descobriram que eles foram desenhados de acordo com construções complexas mas harmo­niosas de geometria de Seção Dourada. 

Fazer vasos e utensílios sa­grados de acordo com a geometria sagrada asseguraria a sua função correta não só nos arredores do templo, cuja geometria eles ecoavam, mas também no contexto secular. 

É só nos tempos modernos que a geometria sagrada foi relegada, primeiramente à esfera estreita do desenho de edifícios sagrados, e depois completamente abolida em função de objetivos prático.

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