OUTROS APONTAMENTOS SOBRE SOCIABILIADE

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Este artigo trata de um tema constantemente citado, mas ainda pouco explorado: as maçonarias na primeira metade do século XIX, especificamente na cidade imperial brasileira (Rio de Janeiro), nas décadas de 1820 e 1830. Mal conhecidas, superdimensionadas por escritores maçons ou banalizadas por pesquisadores que não conseguem ter acesso a fontes documentais consistentes, as maçonarias serão consideradas neste trabalho uma das formas de sociabilidade do período de independência e construção do Estado nacional.

Inicialmente, definiremos a maneira como utilizo o conceito de sociabilidade, passando para a compreensão dos principais traços do ideário maçônico e suas concepções de organização, explicitando as referências teóricas e metodológicas que utilizo para tratar destas questões no contexto proposto. Utilizo documentação encontrada na Divisão de Obras Raras da Fundação Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro) e nos Fonds Maçonniques da Bibliotheque Nationale (Paris), além de jornais e textos impressos do período estudado. Ou seja, uso fontes documentais, de um lado, e referências teóricas e analíticas, de outro, evitando intencionalmente uma vasta literatura maçônica, cuja necessária análise historiográfica foge ao objetivo deste trabalho[1].

Aqui vale, entretanto, rápida menção aos propalados arquivos maçônicos. Essa peculiar pouca visibilidade de fontes documentais, que chamaríamos de ambiguidade documental, pode ocasionar um campo de produção de conhecimento escorregadio, em que determinadas informações são repetidas sem que se saiba exatamente de onde surgiram, embasando interpretações controvertidas e “evidências” nem sempre comprovadas. Ainda mais quando o assunto é confrontado com a produção intelectual de escritores maçons, muitas vezes mais preocupados em construir e preservar uma memória identitária institucional: como supostos detentores de acervos que não podem ser revelados, em alguns casos fazem afirmações sem comprová-las.

Entretanto, sabe-se que na França, por exemplo, as maçonarias doaram os acervos anteriores ao século XX para a Bibliotheque Nationale. Na Espanha, a repressão franquista em nome de um catolicismo integrista acabou incorporando boa parte dessa documentação aos arquivos públicos. E no Arquivo da Torre do Tombo, em Portugal, há significativos documentos sobre o assunto. No Brasil, especula-se sobre a existência de “tesouros” documentais que estariam escondidos em poder das instituições maçônicas. Mas, até que ponto não estaríamos aqui diante da chamada “miragem dos arquivos” (François, 1998)? 

É possível que parte do acervo maçônico refereme ao século XIX no Brasil se tenha dispersado ou perdido em mãos de particulares, colocando-se o desafio para os pesquisadores de trabalharem com os documemos (manuscritos e impressos) dos
arquivos públicos que, mesmo sem caráter serial, não são tão escassos como se pode supor à primeira vista[2].

O Conceito de sociabilidade

Há pelo menos duas décadas os estudos em ramo das sociabilidades se têm ampliado e conquistado estatuto de legitimidade na historiografia. E certo que a palavra “sociabilidade” existia há mais tempo, porém padecia de indefinição: referia-se às pessoas e grupos em sociedade, incluindo os mais diversos laços sociais, sinônimo de socialização, de agrupamento, de civilização … Enfim, podia ser tudo e acabou não sendo quase nada. Sociabilidade era assim identificada como tema menor, folclorizado, marginal.

Uma obra póstuma de Augustin Cochin (1925) valorizou o papel das associações para compreender a eclosão da Revolução Francesa. Tal trabalho não teve repercussão imediata, mas seria recuperado por François Furet (1978). As sociabilidades – como tema e instrumental teórico e metodológico – fariam entrada definitiva no campo da pesquisa histórica acadêmica com a obra de Maurice Agulhon (1968 e 1977), um dos reconhecidos herdeiros da Ecole des Annales, inicialmente com sua tese e, na década seguinte, com um balanço crítico das possibilidades e perspectivas de tal abordagem. 

O que Agulhon propunha então não era mais o tratamento quase intuitivo ou impressionista, e sim o conhecimento das sociabilidades pela densidade da existência de associações constituídas e suas mutações num quadro geográfico e cronológico delimitado. 

Ou seja, uma história da vontade associativa com dados quantitativos e comparativos, com suas mudanças no tempo e no espaço. O referido autor chegava mesmo a tocar na questão das identidades culturais, discutindo a aptidão de determinados grupamentos humanos regionais para as formas estudadas, no caso, a passagem das confrarias para as maçonarias na Provence. Posteriormente, chegou a ser feito até um mapeamento sistemático das diversas associações políticas que formaram-se durante a Revolução Francesa (Boutier e Boutry, 1992).

Seguindo ainda algumas referências elaboradas por Agulhon, mas transpondo tal discussão para a época e local estudados aqui, nos deparamos com o desafio em tomo da elaboração de uma tipologia das sociabilidades, com o objetivo de estudar o movimento associativo na cidade imperial. E, dentro de um mosaico de associações, as maçonarias estavam incluídas (e não colocadas à parte, como se estivessem fora da sociedade), inclusive porque seus participantes pertenciam a diferentes tipos de associações, maçônicas ou não. A perspectiva de classificar grupos distintos é complexa: um modelo muito rígido poderia mascarar as diferenças; em atitude oposta, a ausência de critérios levaria a uma particularização descritiva que não contribuiria para a análise pretendida. 

Uma das premissas fecundas é perceber que as associações não são sempre unifuncionais, mas que podem cumprir simultaneamente várias funções sociais. Isto é, trata-se de considerar as associações multifuncionais. As dimensões econômica, filantrópica, pedagógica, corporativa, política e cultural podem encontrar-se imbrica das numa mesma instituição. 

Entretanto, algumas referências marcam as especificidades de tais agrupamentos.

As associações econômicas existentes na época, evidentemente, tinham fins lucrativos: grupos de colonização de terras ou de exploração de sistemas de transporte, por exemplo.

Já a filantropia constitui-se num dos mais possantes motores do movimento associativo no século XIX – abrangendo o Brasil. A noção de filantropia é bem analisada por Maurice David (1992), que a compara com as de beneficência, caridade e fraternidade para a França do século XIX. A filantropia é distinta tanto da tradicional prática da caridade cristã quanto da fraternidade revolucionária. Tocada pelo espírito das Luzes, a filantropia era o movimento dos que podiam ajudar (os ativos) em direção aos percebidos como despossuídos (passivos). A filantropia, também identificada como beneficência, era uma forma de expansão da civilização ocidental e, ao mesmo tempo, um meio eficaz de criar redes de poder e laços de clientela.

A pedagogia tinha um terreno comum com a beneficência: levar as Luzes do saber para os que não possuíssem, retomando, pela via da instrução, a incorporação de setores da população aos costumes, ideias e ao progresso civilizatório, bem como a formação de mão-de-obra. Os agrupamentos corporativos formavam-se a partir de atividades profissionais ou por nacionalidade, visando à assistência mútua. Mas, até que ponto o mutualismo da primeira metade do século XIX era apenas uma continuidade das corporações de oficio proibidas pela Constituição de 1824 ou representava novas formas de organização (Graham, 1997)?

Os grupos políticos, por sua vez, podem ser definidos como os que se constituem com o objetivo explícito de pressão direta ou de intervenção na cena pública, como as associações federalistas, de defesa da Constituição etc., que apareceram no período estudado. E as associações culturais tinham como base objetivos de caráter cultural, artístico ou científico (e também mutualista), pois a organização de políticas culturais estava no cerne da gênese da modernidade política.

Essa multiplicidade de funções permeava as associações existentes na cidade imperial brasileira no período estudado, entre as quais destacavam-se as maçonarias, representando 31 das 73 associações inventariadas para o período, isto é, 42% do total (MoreI, 1995, parte III)[3]. Ou seja, os maçons frequentavam também outros tipos de associação e tais pertencimentos marcavam reciprocamente as instituições.

A “Perfeição Universal” e as Independências Nacionais

A referência às maçonarias, no plural, tem um sentido preciso: não havia um centro possante, homogêneo e unificado, e sim sobretudo uma concepção de organização que se espalhou por diversos países. As maçonarias representaram, em diferentes casos de passagem de um antigo a um novo regime, uma das mais expressivas formas (mas não a única) de organização política. Pode-se afirmar que tais associações tiveram um desempenho significativo no momento histórico correspondente aos primeiros esboços de modernidade política, seja no caso de independências nacionais americanas ou na crise dos absolutismos europeus (Vovelle, 1985: 11-9).

A atividade maçônica (como também a das academias ilustradas e instituições congêneres) está na origem da efetivação de práticas políticas democráticas contemporâneas – e é neste sentido que procuro destacá-Ia (Halevi, 1984)[4]. Não como a maçonaria centralizadora, apesar de a intenção de muitos maçons ter sido a do uni versalismo e da unificação. E ainda aqui é importante lembrar a distinção entre o discurso do historiador e o dos protagonistas estudados.

Haveria uma ideologia maçônica? 

Mantendo, pois, o plural, seria possível pensar em ideários maçônicos, e não numa ideologia única e exemplarmente coerente. E, mais especificamente, em suas práticas, no lugar de uma prática unificada. Seria cômodo escrever que tais organizações apenas refletiram as práticas e ideias dos sujeitos históricos em cada tempo e lugar. Isto é pertinente, mas não basta, pois essas instituições – permeadas por valores e interesses externos a elas – deram uma contribuição própria à vida política dos séculos XVIII e XIX. E, apesar das características locais, havia uma espécie de fundo comum teórico, prático e simbólico para a conformação das lojas maçônicas, sem esquecer os laços internacionais que chegavam a se estabelecer entre tais agremiações. Veja-se, por exemplo, a festa fúnebre em homenagem ao general Lafayetle, falecido em Paris, feita pela Grande Loja Central (1834), no Rio de Janeiro. Havia interações entre o universal e o particular. E, nesse sentido, as maçonarias contribuíram para a transformação de espaços públicos, que se modernizavam em diversos países.

Sempre pensando nas possibilidades de compreensão das maçonarias no Brasil da primeira metade do século XIX, uma questão se coloca: que tipo de organização elas constituíam e quais eram suas principais características? Trata-se, inicialmente, de evitar o escorregadio terreno das origens maçônicas – que poderia ser mais proveitosamente analisado sob o prisma da formação de mitos de origem. 

Também a quantidade de ritos e obediências – mais de trezentos’ – é um campo que possivelmente embaralhou alguns pesquisadores e, na perspectiva aqui escolhida, só ganha importância na medida em que ajuda a entender as posições políticas das lojas (Ligou, 1987; Mellor, 1979). No caso do Rio de Janeiro, aliás, não foi possível estabelecer uma comparação simétrica entre determinado rito e sua posição no espectro político. Basta então registrar que normalmente se localiza o surgimento das lojas maçônicas em sua feição contemporânea na primeira metade do século XVIII, inicialmente na Inglaterra e, em seguida, em outros países da Europa e na América do Norte.

As maçonarias e a República das Letras – com suas diferenças e pontos em comum -constituíram o embrião do “reino da crítica” e de um espaço público moderno, na concepção de Koselleck (1979) e Habermas (1983). 

Em outras palavras, de um espaço onde se travavam discussões políticas diante do poder constituído e fora do controle hegemônico das monarquias absolutistas.

Explica-se assim por que o segredo estava no cerne da atividade maçônica, pois era preciso subtrair-se à influência do Leviatã para realizar as aspirações da Razão e da Liberdade. Em Hobbes (apresentação de Polin, 1981), como é sabido, colocava-se essa separação entre o homem público político, que devia obediência às leis do Estado, e o homem privado, que poderia preservar sua consciência e opiniões, ainda que em segredo. 

Enfim, era o segredo que permitia que as opiniões fossem preservadas face ao controle do Estado absolutista, sem ameaçá-lo. Com Locke (apresentação de Fabien, 1990), a concepção de moral privada começa a se ampliar e a se transformar numa forma de lei, a lei da moral, emanada da opinião. A opinião começa a tornar-se pública e a ganhar força de legitimidade, de autoridade. E as maçonarias foram, então, um dos lugares desse exercício do pensamento crítico liberado das restrições diretas do Estado.

O ideário maçônico revestia-se de duas características centrais e interligadas: a Razão e a Perfeição, como integrantes constitutivas das Luzes. Era a racionalidade envolvida com a busca do progresso humano. 

E, nesse encontro entre segredo e esclarecimento, estamos diante de um paradoxo bem característico: as Luzes só poderiam florescer à sombra. 

Tal ideário, vale lembrar, fazia seguramente parte dos chamados princípios maçônicos, mas compunha sobretudo a visão de mundo de uma época, além de tais associações.

As relações entre as maçonarias e o poder dos príncipes não era linear. A tentativa de escapar do controle absolutista nem sempre redundava numa intervenção oposicionista ou revolucionária, e muitas vezes buscava-se conquistar a adesão dos monarcas e outros nobres que, em muitos casos, fizeram parte de maçonarias, num quadro do reformismo ilustrado no interior do absolutismo. Basta assinalar o exemplo de alguns soberanos, como na Suécia (George IV, Eduardo VII), Dinamarca (Frederico VIII), sem esquecer a alta nobreza francesa, como os duques de Montagu e de Chartres (futuro Philippe Egalité), entre tantos outros (Ligou, 1987). 

O mundo ibérico não fazia exceção a essa regra, como se sabe: o duque de Latões (D. João Carlos de Bragança) e o conde de Linhares (D. Rodrigo de Sousa Coutinho) foram pioneiros maçons em Portugal (Marques, 1989). Este último, aliás, iniciou nas atividades das lojas jovens vindos do Brasil, como José Bonifácio de Andrada e Silva e Hipólito José da Costa. 

Sendo assim, vê-se que a filiação do príncipe (e futuro imperador) D. Pedro ao Grande Oriente Brasileiro em 1822 não se constituiu numa particularidade brasileira.

Havia uma espécie de jogo entre os maçons e o poder dos príncipes – aqueles buscando proteção e espaço e estes aproveitando para legitimar-se no campo das “novas ideias” e também controlar esse tipo de atividade. Tais relações freqüentemente ambíguas exemplificam um aspecto dessa fronteira às vezes mal definida entre as trevas e as Luzes: a mistificação, no sentido filosófico do termo.

Sempre no domínio da política, a mística das maçonarias ganhava outras implicações. 

No âmago da visão racionalista da propagação das Luzes em direção à Perfeição estava a certeza da chegada de um mundo novo, baseada na noção de progresso. E as lojas deveriam constituir-se numa espécie de prenúncio desse mundo perfeito. 

Seus integrantes eram agentes e iluminados. Mas, para tanto, precisavam se destacar do mundo impuro para liberá-lo e para não se corromperem nem serem confundidos com a obscuridade

Entretanto, não se chegava de um só lance à Perfeição. Havia a iniciação, os graus, enfim, uma hierarquia em cujo topo estava o grão-mestre e, na base, o aprendiz. E todos eram tidos como irmãos

Era, pois, uma hierarquia fechada para o exterior (para os que estavam fora dela) e restrita para os situados “embaixo”, mas que se abria e oferecia ocasiões de ascensão gradual na medida em que se galgava a escada hierarquizada da Perfeição.

E, no quadro do absolutismo, da soberania monárquica e divina, essa maneira de se organizar tinha seu aspecto subversivo. 

No momento em que se afirmava outra hierarquia, colocavam-se em xeque as relações de poder da sociedade. Nobres e comerciantes eram irmãos em uma loja. Porém, esse igualitarismo fundava-se sobre uma forma aguda de distinção: os maçons colocavam-se como qualitativamente superiores aos profanos. Exclusão e igualdade, eis outra forma da fluida interseção entre as sombras e as Luzes.

As maçonarias desempenharam um papel significativo no quadro das revoluções nacionais da segunda metade do século XVIII e começo do XIX. 

A historiografia da América espanhola constantemente destaca – e às vezes supervaloriza – a presença das maçonarias nos processos de independência, ainda que tal marca tenha sido expressiva (Guerra, 1992; Bernaldo, 1992; Carnicelle, 1970). Não chega a ser surpreendente que tais “ideias novas” se tenham expandido durante as independências e que as lojas tenham sido um mecanismo precioso dessa disseminação no interior das revoluções nacionais. Ainda que atacando o poder clerical da Igreja, o ideário maçônico assinalava-se pela noção religiosa do Grande Arquiteto do Universo. O objetivo era nitidamente universalista, servindo também para uma dimensão imanente: a legitimação de um certo internacionalismo maçônico.

Nessa dicotomia nacional/universal havia ambiguidades: as independências que entrelaçavam-se às maçonarias tinham necessidade de buscar sua legitimação simbólica em uma loja já estabelecida. 

E foram, sobretudo, os Grandes Orientes europeus que desempenharam tal papel de matriz. O universalismo se constituiu como eurocentrismo, pela exemplaridade dos rituais como modelo da civilização perfeita. Através das maçonarias confunde-se a aspiração de Perfeição Universal com o processo civilizatório europeu. Paradoxo curioso para aqueles que, nas Américas, pretendiam liberar-se das chamadas trevas do Velho Mundo e que acabavam, às vezes, presos nessa armadilha que vinha embutida com as Luzes. Como exemplos documentais dessa busca de legitimação europeia podemos citar os processos de reconhecimento do Supremo Conselho do Brasil (1845) e da loja Bouclier d’Honneur (1823) pelo Grand Orient de France.

Ou seja, mesmo que os Grandes Orientes e suas lojas tenham desempenhado um papel importante nas desagregações de antigos regimes, é prudente evitar a conexão simplista entre maçonarias e revoluções. Os maçons nem sempre eram revolucionários, como já foi visto com os nobres iniciados. Ao contrário, havia uma espécie de gradualismo evolucionista nessa perspectiva de liberação da humanidade. 

Se cada indivíduo atingisse o degrau máximo dessa escala da perfectibilidade, as revoluções tornariam-se desnecessárias. A conquista de um mundo novo, neste sentido, tinha sua dimensão interior ou espiritualizada, e a liberação da sociedade seria quase uma conseqüência das Luzes expandidas, sem o recurso às rupturas.

Tal concepção teve seu momento de glória, sobretudo, durante o reformismo ilustrado absolutista. Ela correspondia, na época, ao “reino da crítica” e não se chocava diretamente com o poder do Estado, mas pretendia aperfeiçoá-lo. 

A moral privada, a lei da opinião, ainda que afirmadas como legítimas, não tinham ainda estendido sua influência à esfera da intervenção imediata na política.

A partir da Revolução Francesa e dos Carbonieri italianos, as associações de tipo maçônico começaram, cada vez mais, a pleitear uma intervenção mais direta na vida pública e a ampliar seus espaços e seu papel (Pombeni, 1992). 

O que acabará levando à formação de uma tendência revolucionária no interior das lojas (ou de associações secretas não-maçônicas, convém não confundir), partidárias da ação direta, do complô, da resistência armada e da incitação às sublevações. 

O segredo então, além de marcar fronteiras entre as esferas pública e privada, servia de maneira pragmática para esconder as intenções violentas contra os poderes também violentos. 

Tal concepção de organização teria alguma influência, como memória e experiência política acumulada, nos futuros partidos revolucionários do século XX.

Essas duas tendências principais das lojas (o reformismo ilustrado e a intervenção direta) conviveram durante a primeira metade do século XIX, variando seu predomínio segundo o perfil dos atores e as condições de cada época ou lugar. 

Esse era mais um dos traços dessas maçonarias que, repito, constituíam-se mais como concepção de organização do que como entidade monolítica ou portadora de uma visão de mundo específica.

NOTAS

[1] – Ver a análise historiográfica apontada por Célia M. Marinho de Azevedo (1996-7) e Alexandre M. Barata ( 1999).

[2] – A intenção deste trabalho não é realizar um inventário dessa documentação. Neste sentido, coloca-se a proposta de elaboração de um guia de fontes maçônicas em arquivos públicos brasileiros, que poderá levar a resultados significativos e evitar atentados à veracidade que com frequência são cometidos à sombra dessa ambiguidade documental.

[3] – Tal levantamento provavelmente ainda é parcial. Entretanto, o último estudo com uma visão de conjunto sobre as associações no Brasil do século XIX foi publicado há mais de um século por Moreira de Azevedo, 1885.

[4] – Sigo a visão de Halevi, cuja abordagem é promissora na medida em que supera as querelas pró ou contra maçonarias. Este autor busca compreender essa atividade no quadro das sociabilidades, relacionando os objetivos ideológicos e o espaço público urbano.


Fonte: Biblioteca digital da FGV

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