Texto foi escrito para ser lido e por isso perdoarão alguma incorreção. As citações são extraídas do Livro “Torá”
Quando lançado este desafio, de aqui falar sobre o Sagrado e o Profano do ponto de vista do judaísmo, aceitei sem saber bem o que iria dizer sobre o tema.
Tinha que ser um estudo mais profundo.
O judaísmo enquanto religião e forma de vida visa sempre a santificação do homem numa perspectiva de o tornar mais próximo de Deus.
A religião judaica prescreve mandamentos e regras que se integralmente cumpridas representarão o respeito máximo por Deus e pela sua Santidade, e que não cumpridas farão do homem um profano que ao contrario do seu irmão cumpridor, no dia do julgamento poderá ser considerado como indigno de se manter vivo.
Todavia, o homem está sempre a tempo de se arrepender e retornar ao caminho da santidade e, com isso, glorificar Deus.
Este arrependimento, que pode surgir a qualquer altura, está muito associado com o dia do Kipur.
Dia de penitencia e arrependimento e também o dia em que cada judeu se apresenta perante Deus e lhe apresenta contas do que fez, esperando que o seu nome seja inscrito por Deus no Livro da Vida e que o seu arrependimento seja aceito.
Neste sentido, e de forma a realçar a importância do percurso do homem, de cada homem, no sentido a elevação espiritual decidi ir buscar exatamente os trechos da Torá que explicam e regulamentam o dia de Kipur e de lá extrair o que me pareceu fundamental para ilustrar a perspectiva judaica sobre o sagrado e o profano, do ponto de vista do homem.
Uma breve explicação prévia, a Torá é composta por 5 livros (Bereshit – Génesis, Shemot – Êxodo, Vaycrá -Levitico, Bamidbar – Números e Devarim – Deutronomio) e constitui a lei fundamental do judaísmo, a lei dada por Deus a Moisés no deserto.
Nestes livros poderemos encontrar desde a criação do Mundo aos preceitos alimentares e regulamentos familiares.
Estes livros são lidos em capítulos semanais de maneira a que num período de um ano todos os livros tenham sido integralmente lidos e se recomece.
Estes são os livros de base do que se convencionou chamar de Bíblia.
Para ilustrar o tema, escolhi algumas passagens e respectivos comentários, que penso poderão ajudar a explicar o que o judaísmo pensa e preconiza. Estas passagens estão incluídas no capítulo que regula o Dia de Kipur.
“… E tomarás os dois cabritos e os farás ficar diante do Eterno à porta da tenda da reunião.
E lançará Aarão sobre os dois cabritos, sortes, uma para o Eterno e outra para Azazel.
E aproximará Aarão o cabrito sobre o qual caiu a sorte para o Eterno e o oferecerá como oferta de pecado.
E o cabrito sobre o qual caiu a sorte para Azazel colocar-se-á vivo diante do Eterno, para expiar por meio dele, para envia-lo para Azazel no deserto.
E colocará Aarão suas duas mãos sobre a cabeça do cabrito vivo, e manifestará sobre ele todas as iniquidades dos filhos de Israel, todos os seu delitos e todos os seus pecados, e os porá sobre a cabeça do cabrito e o enviará, por mão de um homem designado para isso para o deserto.
E levará o cabrito todas as iniquidades à terra desabitada e deixará o cabrito ir pelo deserto…"
Vaikrá (Levítico) 16: 7 a 10 e 21 a 22
Sobre este trecho da Torá o Rabino Mendel Diesendruck, que na década de 50 do sec. XX foi Rabino em Lisboa escreve o seguinte:
"Sortes: os nossos exegetas interpretam esta cerimónia de sortear os cabritos como indicação simbólica para os dois diferentes elementos humanos e a sua maneira distinta de encarar os problemas da vida. Um encarna com o seu estilo de viver e pela pureza das suas acções e pensamentos aquela máxima gravada em muitas sinagogas com letras douradas por cima da Arca Sagrada, Shiviti Hashem Lenegdi Tamid (Tenho o Eterno sempre à minha presença), ou seja tudo o que eu faço e pretendo fazer é orientado e guiado por uma única motivação: Viver sempre dentro das prescrições da Torá, amar a Deus, o meu povo e a humanidade inteira; e para concretizar este meu ideal sublime não receio qualquer sacrifício.
Este elemento humano que representa pela nobreza do seu carácter a perfeição da criação Divina é o símbolo de “ para o Eterno”.
Mas existe também um elemento radicalmente oposto.
É aquele ser humano cuja vida é claramente profana, cujos interesses nesta vida são de um materialismo vil, uma abjecção grosseira; o tipo de ser humano cujo maior ideal é o seu próprio ego, para o qual o meio ambiente não existe, porque ele é incapaz de dar algo de si.
Este tipo de homem vive na auto ilusão de ser um elemento útil à sociedade mas quem for capaz de deitar um olho para dentro da sua alma vazia e pobre, verificará facilmente que ele, coitadinho, não é mais que um bode isolado num deserto. Pois nós todos sabemos muito bem que existem não apenas desertos geográficos, mas também – e o que é mais lamentável – desertos espirituais, intelectuais, assim como existem climas que não dependem somente das condições atmosféricas, mas sim do calor das nossas almas e dos sentimentos de nossos corações.
Este segundo elemento também não se importa em fazer toda a espécie de sacrifícios para alcançar o seu fim, mas é o fim próprio que distingue estes dois caracteres.
Enquanto para o primeiro o alvo é “ para o Eterno “ , a meta do segundo é orientada “ para Azazel “.
A cerimónia de sortear os bodes, oficiada no dia mais sagrado e pelo homem mais sagrado (o sumo-sacerdote) é talvez a mais bela e mais significativa demonstração de que o acaso pode ser um fator decisivo quando se trata de carneiros inocentes, mas nunca em relação ao homem responsável pelos seus atos. “
Mais à frente pode ler-se na Torá:
Vaikrá (Levitico) 19: 1 e 2
A este propósito o Rabino Mendel Diesendruck escreveu o seguinte:
“Santos Sereis: Segundo Rashi (comentador mais importante da Torá) isto significa – “ afastai-vos de toda a espécie de imoralidade e da transgressão”
O Rabino Diesendruck retoma escrevendo:
“O Judaísmo não conhece nenhum outro “santo” além de Deus.
Em que consiste então a substancialidade de Deus?
No “ser diferente”, no “ser fora” de toda a natureza e por isso na liberdade.
A opinião que Deus Sive Natura é uma flagrante negação da doutrina básica do judaísmo.
Fora da natureza é o reino da liberdade. “Santo” significa livre no grau mais transcendental.
O homem nunca é fora da natureza; para o ser o humano só pode prevalecer sempre a “aspiração à santidade “, aspiração cujo objectivo é livrar suas acções de tudo o que é terrestre, material, fútil, mesquinho e profano, uma aspiração a que os seus sentimentos e desejos sejam determinados o máximo possível pela sua consciência divino-espiritual…”
O comentário é concluído com a seguinte afirmação:
“Ser criado à imagem de Deus não é um fato consumado, mas sim uma elevada missão, uma potencialidade em constante desenvolvimento.“
Na mesma edição da Torá que utilizei e a propósito da mesma passagem os editores juntam o seguinte comentário:
“Santos sereis: O homem não precisa de executar nenhum ato fora do comum ou feito extraordinário para ser santo. Em todas as esferas da vida o “fazer” e o “não fazer” de cada indivíduo é que o tornam santo. A singularidade do povo de Israel está no facto de que a vida e a santidade não são dois domínios separados. Quem deseja ser santo não precisa de se afastar da natureza, da vida, retirar-se da sociedade para ir viver no deserto, fechar-se asceticamente dentro de muros ou ir viver isolado para a floresta. Todos nós podemos ser “ um reino de sacerdotes e um povo santo” (Êxodo 19:6), e isso não se dará pelo afastamento ou renúncia da vida, mas sim através da santificação da vida, de acordo com o conselho: “ Reconhece-O em todos os teus caminhos” (Provérbios 3:6).”
Como podemos perceber destes comentários e do que atrás foi dito, no judaísmo é dado um especial enfoque ao homem como o decisor da santidade.
O Judaísmo preconiza valores e preceitos que permitem, se seguidos, ao homem tornar-se mais puro e mais santo, pois aproximam-no de Deus.
O homem tem a capacidade de progredir no caminho da sacralização por acção do seu livre arbítrio e vontade, cumprindo os mandamentos e preceitos e assim aproximando-se do seu Criador, à imagem do qual foi feito.
Este tema é no fundo uma das bases da sacralização pois podemos interpretar que o ter sido feito à imagem e semelhança quer dizer que lhe foi concedido raciocínio e poder de decisão.
Consequentemente o homem, ao contrário dos animais que agem por instinto, pode separar o bem do mal e pode escolher ser mais “santo” fazendo sobressair a centelha Divina que lhe foi incutida, ou por outro lado decidir uma vida mais profana.
É importante perceber e diferenciar esta santificação do homem na religião judaica, da santificação / beatificação na religião Cristã.
No judaísmo a Santificação é interior e exclusiva de quem segue o caminho dos mandamentos e será apenas reconhecida por Deus. Não existirá em caso algum a veneração de um homem por parte de outros homens.
Conclue-se com uma incerteza e uma certeza.
A incerteza de vos ter trazido algo de utilidade, a certeza de ter aprendido com este trabalho e desta forma ter progredido um ínfimo passo no meu melhoramento.
Se, porventura, a minha incerteza se tornar certeza então tenho que agradecer-vos pela oportunidade que me deram de dar mais um pequeno passo, neste caminho que todos deveremos levar no sentido da santidade.
Apenas com o trabalho interior de cada um independentemente da religião que seguimos poderemos de forma afirmativa progredir.
A nossa progressão individual terá seguramente como consequência a progressão dos nossos semelhantes em direção a um futuro que esperamos melhor.
O Antigo Testamento apresenta uma figura enigmática nas páginas do livro de
ResponderExcluirLevítico.
Trata-se do bode para Azazel que ao final do ritual do Dia da Expiação é enviado
ao deserto.
A opinião de estudiosos tem sido dividida quanto ao significado deste bode.
Seria ele um símbolo de Cristo?
Estaria ele ligado com a figura de um demônio?
Ou seria apenas um termo técnico sem necessariamente representar uma personalidade?
O bode expiatório é um animal que era apartado do rebanho e deixado só na natureza selvagem como parte das cerimônias hebraicas do Yom Kippur, o Dia da Expiação, na época do Templo de Jerusalém.
ResponderExcluirEste rito é descrito na Bíblia no livro do Levítico.
O Dia da Expiação
ResponderExcluir16 O Senhor falou com Moisés depois que morreram os dois filhos de Arão, por haverem se aproximado do Senhor. 2 O Senhor disse a Moisés: “Diga a seu irmão Arão que não entre a toda hora no Lugar Santíssimo, atrás do véu, diante da tampa da arca, para que não morra; pois aparecerei na nuvem, acima da tampa.
3 “Arão deverá entrar no Lugar Santo com um novilho como oferta pelo pecado e com um carneiro como holocausto. 4 Ele vestirá a túnica sagrada de linho, com calções também de linho por baixo; porá o cinto de linho na cintura e também o turbante de linho. Essas vestes são sagradas; por isso ele se banhará com água antes de vesti-las. 5 Receberá da comunidade de Israel dois bodes como oferta pelo pecado e um carneiro como holocausto.
6 “Arão sacrificará o novilho como oferta pelo seu próprio pecado, para fazer propiciação por si mesmo e por sua família. 7 Depois pegará os dois bodes e os apresentará ao Senhor, à entrada da Tenda do Encontro. 8 E lançará sortes quanto aos dois bodes: uma para o Senhor e a outra para Azazel[a]. 9 Arão trará o bode cuja sorte caiu para o Senhor e o sacrificará como oferta pelo pecado. 10 Mas o bode sobre o qual caiu a sorte para Azazel será apresentado vivo ao Senhor para fazer propiciação, e será enviado para Azazel no deserto.
11 “Arão trará o novilho como oferta por seu próprio pecado para fazer propiciação por si mesmo e por sua família, e ele o oferecerá como sacrifício pelo seu próprio pecado. 12 Pegará o incensário cheio de brasas do altar que está perante o Senhor e dois punhados de incenso aromático em pó, e os levará para trás do véu. 13 Porá o incenso no fogo perante o Senhor, e a fumaça do incenso cobrirá a tampa que está acima das tábuas da aliança, a fim de que não morra. 14 Pegará um pouco do sangue do novilho e com o dedo o aspergirá sobre a parte da frente da tampa; depois, com o dedo aspergirá o sangue sete vezes, diante da tampa.
15 “Então sacrificará o bode da oferta pelo pecado, em favor do povo, e trará o sangue para trás do véu; fará com o sangue o que fez com o sangue do novilho; ele o aspergirá sobre a tampa e na frente dela.
ResponderExcluir16 Assim fará propiciação pelo Lugar Santíssimo por causa das impurezas e das rebeliões dos israelitas, quaisquer que tenham sido os seus pecados. Fará o mesmo em favor da Tenda do Encontro, que está entre eles no meio das suas impurezas.
17 Ninguém estará na Tenda do Encontro quando Arão entrar para fazer propiciação no Lugar Santíssimo, até a saída dele, depois que fizer propiciação por si mesmo, por sua família e por toda a assembléia de Israel.
18 “Depois irá ao altar que está perante o Senhor e pelo altar fará propiciação. Pegará um pouco do sangue do novilho e do sangue do bode e o porá em todas as pontas do altar.
19 Com o dedo aspergirá o sangue sete vezes sobre o altar para purificá-lo e santificá-lo das impurezas dos israelitas.
20 “Quando Arão terminar de fazer propiciação pelo Lugar Santíssimo, pela Tenda do Encontro e pelo altar, trará para a frente o bode vivo. 21 Então colocará as duas mãos sobre a cabeça do bode vivo e confessará todas as iniqüidades e rebeliões dos israelitas, todos os seus pecados, e os porá sobre a cabeça do bode. Em seguida enviará o bode para o deserto aos cuidados de um homem designado para isso. 22 O bode levará consigo todas as iniqüidades deles para um lugar solitário. E o homem soltará o bode no deserto.
23 “Depois Arão entrará na Tenda do Encontro, tirará as vestes de linho que usou para entrar no Santo dos Santos e as deixará ali. 24 Ele se banhará com água num lugar sagrado e vestirá as suas próprias roupas. Então sairá e sacrificará o holocausto por si mesmo e o holocausto pelo povo, para fazer propiciação por si mesmo e pelo povo. 25 Também queimará sobre o altar a gordura da oferta pelo pecado.
26 “Aquele que soltar o bode para Azazel lavará as suas roupas e se banhará com água, e depois poderá entrar no acampamento. 27 O novilho e o bode da oferta pelo pecado, cujo sangue foi trazido ao Lugar Santíssimo para fazer propiciação, serão levados para fora do acampamento; o couro, a carne e o excremento deles serão queimados com fogo. 28 Aquele que os queimar lavará as suas roupas e se banhará com água; depois poderá entrar no acampamento.
29 “Este é um decreto perpétuo para vocês: No décimo dia do sétimo mês vocês se humilharão[b] e não poderão realizar trabalho algum, nem o natural da terra, nem o estrangeiro residente. 30 Porquanto nesse dia se fará propiciação por vocês, para purificá-los. Então, perante o Senhor, vocês estarão puros de todos os seus pecados. 31 Este lhes será um sábado de descanso, quando vocês se humilharão; é um decreto perpétuo. 32 O sacerdote que for ungido e ordenado para suceder seu pai como sumo sacerdote fará a propiciação. Porá as vestes sagradas de linho 33 e fará propiciação pelo Lugar Santíssimo, pela Tenda do Encontro, pelo altar, por todos os sacerdotes e por todo o povo da assembléia.
34 “Este é um decreto perpétuo para vocês: A propiciação será feita uma vez por ano, por todos os pecados dos israelitas”.
E tudo foi feito conforme o Senhor tinha ordenado a Moisés.
Footnotes
16.8 Ou o bode emissário; também nos versículos 10 e 26.
16.29 Ou jejuarão; também no versículo 31.