Queria ter uma filha tão alva quanto a neve, tão vermelha como este sangue e tão negra como o ébano desta janela.
Pouco tempo
depois lhe nasceu uma filha que era branca como a neve, vermelha como o sangue
e com uns cabelos negros como ébano.
Branca de
Neve!
Era uma vez, no auge do inverno, quando flocos de neve caem como plumas das nuvens, uma rainha estava sentada à janela de seu palácio, costurando as camisas de seu marido.
Nisto, levantou os olhos, espetou um dedo e caíram gotas de sangue na neve.
E vendo o vermelho tão bonito sobre o branco, a rainha pensou:– Queria ter uma filha tão alva quanto a neve, tão vermelha como este sangue e tão negra como o ébano desta janela.
Pouco tempo depois lhe nasceu uma filha que era branca como a neve, vermelha como o sangue e com uns cabelos negros como ébano. Por isso lhe puseram o nome de Branca de Neve.
Mas, quando ela nasceu, a mãe
morreu…
Assim
começa um dos contos de fadas mais famosos para crianças…
Mas, será
mesmo que a Branca de Neve, como muitos outros contos que conhecemos, foi
escrito originalmente e inocentemente para crianças?
Acompanhe a
Versão Original e os Simbolismos profundo por trás deste conto que é uns dos
favoritos de gerações e gerações.
Logo de
saída, a história de Branca de Neve nos indica que o ponto de vista a ser
tomado para entendê-la mais profundamente é, sem dúvida, o iniciático. Chama
atenção que o personagem central, Branca de Neve, sintetize em si as três cores
que simbolizam, no Hermetismo, as três etapas da prática espiritual
estabelecida por aquela doutrina: o negro, o branco e o vermelho, que
correspondem respectivamente, ao Nigredo, Albedo e Rubedo dos Alquimistas. Além
disso, os sete anões, que trabalham numa mina buscando ouro, são uma clara
alusão a outro aspecto do simbolismo alquímico, que nos informa ser a meta do
alquimista a transformação dos metais impuros em ouro.
Não é
também por acaso que a história se divide claramente em três partes.
Primeira
Parte – Branca de Neve vive no castelo comandado pela
rainha má desde o nascimento (Malkuth¹) até quando foge do caçador pela
floresta
Segunda
Parte - vive na casa dos sete anões até se engasgar com a maçã
envenenada
Terceira
Parte – vive no castelo do príncipe unida com ele, “felizes para sempre”
É evidente
aqui a aplicação do simbolismo do número três aos graus do conhecimento e, por
extensão, às três fases da realização na via espiritual.
¹Malkuth –
é a manifestação final das forças da Árvore da Vida, o último estágio da
energia onde ela se solidifica. Porém, Malkuth não é formada apenas pela
matéria, mas também seu aspecto psíquico e sutil.
Em Malkuth
aprende-se a lidar com a matéria e perceber sua real influência e poder.
Ignorando esta lição, o magista fatalmente fracassará se tentar elevar-se na
Árvore, pois a influência dos quatro elementos o acompanhará enquanto habitar
este plano. Portanto, uma operação no plano de Malkuth é realizada por uma ação
no plano físico.
A essência e o objetivo da via espiritual iniciática é a união com Deus. Essa união só é possível porque ser homem é sê-lo à imagem e semelhança de Deus.
O mito de Adão
(Hochma²) e Eva (Binah²) nos ensina que, depois da queda, este aspecto
essencial do humano tornou-se ineficiente. Por isso, toda e qualquer tentativa
de reintegração da forma humana no seu Arquétipo infinito e divino, (a tal da
volta ao Paraíso), só é possível se antes for regenerada à pureza do estado
original humano. Por conta disso, chegamos à máxima alquímica da “transmutação
do chumbo em ouro”, que nada mais é do que a reintegração da natureza humana na
sua nobreza original.
²Hochma
– Sabedoria
²Binah –
Mãe Superior
Em Hochma a
Binah temos, respectivamente, o positivo e o negativo arquetípicos; a
masculinidade e a feminilidade primordiais.
Comparando
a história da Branca de Neve com a mitologia Bíblica, de modo análogo ao relato
do Gênesis, o conto diz que, no princípio, viviam em harmonia complementar um
par de opostos, o Rei e a Rainha-Mãe boa – Novamente: Adão e Eva primordiais,
ou Hochma e Binah, além do Abismo.
Com a morte da Rainha-Mãe e após o nascimento de Branca de Neve instaura-se um desequilíbrio, uma espécie de afastamento da unidade, que é representado pela chegada da rainha má (o Demiurgo³).
Assim,
depois da morte da mãe, Branca de Neve perde sua dignidade de princesa no
castelo do pai e se torna uma serva da madrasta má. Branca de Neve, apesar de
ter a marca das três cores, que a qualifica como um ser especial, cai numa
função subalterna dentro do mundo profano, marcado pela dualidade, pela
dispersão, pelas paixões e dominado pela rainha má (que simboliza ao mesmo
tempo as paixões vis e a Igreja dogmática). O conto nos mostra que é necessário
reunir em si o disperso, reintegrar-se em retiro além da floresta e nas
montanhas, para depois se unir ao Espírito, que aqui é sem dúvida figurado pelo
Príncipe (Tiferet, ou o espírito Crístico).
³Demiurgo -
uma Divindade ou força criativa que deu forma ao mundo material, responsável
pela criação do universo físico, uma Divindade subordinada à Divindade Suprema,
algumas vezes considerada como o Criador do Mal outras vezes um ser imperfeito,
que impede as almas humanas de voltarem a se integrar aos poderes Divinos.
A rainha
madrasta descobre que Branca de Neve é a mais bela quando esta última faz sete
anos. A rainha má é obcecada com a comparação quantitativa do aspecto estético
(beleza física) e, portanto, apenas sensorial da realidade (Malkuth, ou podemos
assim dizer Matrix). Ela é incapaz de perceber qualquer beleza interior. A
unidade do belo, do bem e da verdade que todas as tradições religiosas e
filosóficas sérias proclamam não existe na Rainha má, por causa de uma
concentração exagerada da inteligência dela no aspecto mais externo da
realidade material (a ciência).
No íntimo do ser humano, o bem é bonito e o belo é verdadeiro. Significativamente, e por compensação, a Rainha má manda um caçador matar Branca de Neve e trazer-lhe o coração, para que ela o coma. O coração, que no simbolismo astrológico e cabalístico é representado pelo Sol, e no alquímico pelo ouro, é considerado, nas mais diversas tradições, a morada do espírito, o centro (anatômico e simbólico) do ser onde habita o Divino.
No entanto, o coração que a Rainha come (ou que ela pode comer) é o de um animal, que o caçador compadecido sacrifica no lugar de Branca de Neve.
Consciente, daí por diante da enorme ameaça de destruição existente no mundo da rainha, e insatisfeita com ele, a alma qualificada (Yesod – Plano Astral) foge correndo pela floresta. Sua vida acaba num mundo e se inicia em outro. Mas, essa iniciação não acontece antes que ela passe por uma provação que se revela, no fundo, uma purificação.
A Floresta
e as Provas Antes da Iniciação
A pobre Branca de Neve ficou sozinha, e transida de dor se pôs a caminhar, no escuro da floresta, por entre as árvores sem saber que rumo tomar. De repente começou a correr assustada com o barulho dos trovões, com o clarão dos relâmpagos e com a chuva que começava a cair. Correu saltando pedras e atravessando sarças; e os animais selvagens pulavam quando ela passava, mas não lhe faziam mal, ela correu até seus pés se recusarem a continuar, e como já era noite e viu uma choupana ali perto, entrou nela para descansar.
Na choupana era tudo muito
pequeno, porém nada podia ser mais limpo ou mais gracioso. No centro, via-se
uma mesa coberta com uma toalha branca, e nela estavam sete pratinhos, cada um
com sua colher, sua faca e seu garfo; havia também sete copinhos do tamanho de
dedais. De encontro à parede se viam sete pequenos leitos, numa só fileira
cobertos, cada um deles, com lençóis brancos como a neve.
O texto parece sugerir que as provações iniciáticas são ritos preparatórios da iniciação propriamente dita. Elas representam uma preparação necessária, de tal forma que a iniciação mesma é como se fosse sua conclusão ou seu fim imediato.
É bom lembrar que elas tomam a forma de viagens simbólicas em certas tradições (maçonaria, rosacruz, druidismo, wicca) e podem mesmo se apresentar como uma busca ou procura, que conduz o indivíduo das trevas do mundo profano para a Luz da Iniciação.
No fundo, as provações são essencialmente ritos de purificação; e essa é a explicação verdadeira para essa palavra num sentido claramente alquímico.
A corrida de Branca de Neve pela floresta representa de modo muito preciso exatamente isso: uma viagem do mundo profano – figurado pelo castelo da Rainha má, que é um mundo de maldade e mentira, o reflexo da mentalidade dela mesma – até o local claro, limpo e protegido, nas montanhas, onde se localiza a casa dos sete anões. É uma viagem do mundo exterior para um outro interior, onde ela vai encontrar e aprender a lidar com as sete faculdades de conhecimento corporal que estão esquecidas no mais íntimo dela mesma (os tais sete pecados capitais).
A chuva que aparece na nossa história mostra que o essencial nos ritos de purificação é que eles operam pelos “elementos”, entendidos no sentido cosmológico do termo, pois que elemento implica em ser simples; e dizer simples é o mesmo que dizer incorruptível.
A água é um dos elementos mais usados nos ritos de purificação de quase todas as tradições (o próprio batismo copiado em inúmeras tradições religiosas).
Talvez porque ela simbolize a substância Universal. Notem a presença da limpeza e da cor branca na casa dos anões, indicadoras de que, depois da corrida pela floresta, a purificação se completou.
A casa dos anões é o Plano Mental, na qual todas as batalhas pela evolução do ser serão travadas até a conclusão do conto.
Depois, estava tão cansada que se deitou numa das camas, mas não se sentiu à vontade.
Experimentou outra e era muito comprida; a quarta era muito curta; a quinta dura demais; porém, a sétima era exatamente a que lhe convinha, e metendo-se nela se dispôs a dormir, não sem antes ter-se encomendado a Deus.
Quando era noite regressaram os donos da choupana. Eram os sete anões que sondavam e perfuravam as montanhas em busca de ouro. A primeira coisa que fizeram foi acender sete pequenos lampiões, e imediatamente se deram conta – depois de iluminada toda a habitação – de que alguém havia entrado ali, já que não estava tudo na mesma ordem em que haviam deixado. (…) observando seus leitos gritaram: – Alguém deitou nas nossas camas!
Mas, o sétimo anão correu à dele, e vendo Branca de Neve dormindo nela, chamou os companheiros que se puseram a gritar de assombro e levantaram seus sete lampiões Iluminando a menina.
Depreende-se desse trecho da história que, desde o ponto de vista das iniciações, a purificação tem como fim conduzir o ser a um estado de simplicidade indiferenciada comparável com o da matéria prima (ou pedra bruta), para usar uma expressão da Alquimia, afim de que ele se torne apto a receber o Fiat Lux iniciático; é preciso que a influência espiritual, cuja transmissão vai dar a ele essa iluminação primeira, não encontre nenhum obstáculo devido a pré-formações desarmônicas provenientes do mundo profano (ou, em palavras mais claras, é necessário passar pelas provações dos sete planetas, por isso Branca de Neve deita-se em todas as camas). Relaxada e entregue, Branca de Neve não oferece nenhuma resistência à Luz dos Sete lampiões dos anões.
Os Anões
Abandonar o mundo escuro e encontrar a Luz tem suas conseqüências. Existem algumas indicações, sobre quais são essas conseqüências da “saída da floresta escura”.
A floresta representa o estado de vício e ignorância do homem. Estar perdido na
floresta é o mesmo que estar perdido no labirinto da multiplicidade da
manifestação.
Ora, a saída da floresta escura, ou, o que dá no mesmo, a morte ao mundo profano, implica logicamente numa mudança de mentalidade que surge como a primeira parte da fase inicial de mudança no direcionamento geral do ser, que é necessária para alcançar um grau mais elevado de Clareza e Iluminação.
É evidente que a primeira providência prática, para alcançar essa mudança mental, está na revisão dos pontos de vista e das convicções pessoais, dos hábitos mentais, dos coágulos das emoções negativas… ou seja, lapidar a pedra bruta até chegar ao elixir da longa vida.
Por isso mesmo, Branca de Neve deve se submeter a certas condições para poder ficar na casinha dos anões. As condições para ela ficar na casa eram:
Primeiro – seguir os
conselhos deles para não abrir a porta para ninguém, porque a Rainha má com o
poder de se disfarçar e enganar, poderia atacá-la e matá-la
Segundo – manter a
casinha sempre limpa e arrumada. Essa disciplina (em Branca de Neve) e essa
limpeza interior (na casa dos anões, que representa nossa mente) são um espécie
de treino para dominar todas as tendências obscuras e irracionais da alma,
ambas necessárias para a realização do ouro interno, na sua pureza e
luminosidade imutáveis. Isto corresponde ao que a alquimia chama de “extração
dos metais nobres a partir dos metais impuros por meio da intervenção dos elementos
solventes e purificadores, como o mercúrio e o antimônio, em conjunção com o
fogo, e que se efetua inevitavelmente contra a resistência e a revolta das
forças caóticas e tenebrosas da natureza”.
Os anões
são os conhecedores da técnica que permite a realização desse trabalho, porque
eles sabem extrair ouro da montanha. Na alma do homem são como que lampejos
primitivos de consciência, de iluminação e de revelação. Anões são os gênios da
terra, os famosos gnomos.
Como o texto nos diz que são sete, eles correspondem exatamente aos sete metais/planetas que os alquimistas designavam pelos mesmos símbolos usados na astrologia para os sete planetas. Sol – Ouro, Lua – Prata, Mercúrio – Mercúrio, Vênus – Cobre, Marte – Ferro, Júpiter – Estanho e Saturno – Chumbo.
Essas correspondências colocam em evidência a relação que existe entre a alquimia e a astrologia e que se fundamenta no princípio que a Tábua de Esmeralda exprime assim: “O que está embaixo é semelhante ao que está em cima“. Por isso, Saturno, que é o planeta mais alto para Astrologia pois corresponde ao sétimo céu, eqüivale, na alquimia, ao chumbo, que está no ponto mais baixo da hierarquia. A hierarquia dos planetas é ativa, enquanto a dos metais é passiva.
No próprio filme da Disney, os anões representam estas características dos metais e dos planetas, como :
Mestre/Doc
– O mais velho dos anões, representa o Sol, o líder
Feliz/Happy
– representa a bonança e a fartura de Júpiter, gordinho e feliz.
Mestre e
Feliz, juntos são os dois anões mais gordinhos na concepção de Disney.
Zangado/Grumpy
– representando a Ira de Marte
Dengoso/Bashful
– representando a beleza de Vênus
Soneca/Sleepy
- representando a Lua e seu pecado capital Preguiça
Atchim/Sneezy
– representando as atormentações de Saturno
Dunga/Dopey
– Mercúrio, o mais rápido dos planetas, e também o menorzinho deles.
Mas,
voltemos à parte do texto que descreve na linguagem simbólica e, portanto, mais
rica do conto original:
Quer ser encarregada de nossa casa? Será nossa cozinheira, fará as camas, lavará a roupa, coserá, fará meias para nós e conservará tudo limpinho e arrumado.
Se
trabalhar bem ficaremos com você, não terá falta de nada e será nossa Rainha.
Branca de Neve respondeu: – Aceito, de todo meu coração! E foi assim que ela
ficou com os anõezinhos e tomou conta da casa deles. De manhã os anões saiam
pelas montanhas para procurar ouro, e quando regressavam, à noite, encontravam
a comida preparada. Durante o dia a menina ficava sozinha, e por isto os anões
nunca deixavam de lhe dizer quando saiam: – Tome cuidado com sua madrasta, que
mais cedo ou tarde acabará sabendo que você está aqui, e não deixe entrar
ninguém.
O tempo que Branca de Neve fica na casa dos anões é um tempo de treinamento, disciplina interior e aprendizado.
É nesse período, durante o qual acontecem seus três perigosos encontros com a madrasta disfarçada, que ela aprende a usar a sabedoria representada pelos anões (que no fundo está nela mesma) para lidar com os elementos ainda não ordenados que tem dentro de si.
As práticas ou rituais – implícitas no processo iniciático – preparam para o contato com o poder unificador do Espírito (Tiferet, a iluminação), cuja presença exige que a substância psíquica tenha se tornado um todo unificado.
Os elementos mais ou menos dispersos de nossa personalidade mundana são, desse modo, compelidos a juntar-se.
E, alguns deles chegam enraivecidos, vindos de lugares ocultos, remotos ou obscuros com os poderes inferiores ainda agarrados a eles.
É mais correto dizer, neste caso, que é o inferno que ascende do que afirmar que é o praticante que desce nele.
Quem sai do seu castelo enraivecida pela inveja e vai procurar Branca de Neve é a Madrasta, e não o contrário!
Essa guerra das forças inferiores conduz a uma verdadeira batalha que tem a alma como campo de luta (a tal simbologia da luta entre o “céu” e o “inferno” pelas nossas almas).
As três tentativas da rainha má para matar Branca de Neve mostram, que no começo do caminho os elementos psíquicos pervertidos estão de certo modo adormecidos e afastados do centro da consciência, do mesmo modo que a madrasta está no castelo, longe da casa dos anões. Eles devem ser primeiramente acordados, pois não podem ser redimidos e transformados dentro do seu sono.
E é no momento em que despertam, num estado de ódio enfurecido contra a nova ordem, que existe sempre o risco de que eles se apossem de toda a alma.
O que não acontece no conto porque os anões, que são as partes de conhecimento da alma, não são atingidos pela rainha e por isso salvam a princesa nas duas ocasiões em que a madrasta disfarçada tenta matá-la.
A primeira através de sufocação com um espartilho apertado e a segunda com um pente envenenado na cabeça (estas partes acabaram ficando de fora da versão de desenho animado, mas constam da versão original do conto).
Esses episódios são descrições simbólicas da transformação do metal vil em metal nobre.
As faculdades corporais de conhecimento, representadas pelos anões, começam a atuar de modo consciente e é através de seu uso que Branca de Neve se salva por duas vezes.
A Morte de
Branca de Neve
A palavra
morte deve ser compreendida neste caso no seu sentido mais geral, segundo o
qual pode-se dizer que toda a mudança de estado, qualquer que seja, é ao mesmo
tempo uma morte em relação a um estado antecedente e um nascimento em relação
ao estado seguinte (como no mito da Fênix).
A iniciação é geralmente descrita como um segundo nascimento que implica, logicamente, na morte para o mundo profano.
É bom lembrar que toda mudança de estado deve se passar nas trevas, no escuro, o que explica o simbolismo da cor negra quando relacionada a esse assunto.
O candidato à iniciação deve passar pela obscuridade completa antes de alcançar a verdadeira luz.
É nesta fase de obscuridade que se dá a chamada “descida aos infernos”, que é uma espécie de recapitulação dos estados antecedentes, através da qual as possibilidades relacionadas ao estado profano serão definitivamente esgotadas, afim de que o ser possa, daí por diante, desenvolver livremente as possibilidades de ordem superior que ele carrega consigo e cuja realização pertence propriamente ao domínio iniciático.
No nosso conto, Branca da Neve “morre” ou muda de estado, depois que come uma maçã.
Come? Não.
Ela se engasga.
Os anões conseguem ressuscitar Branca de Neve por
duas vezes, mas não são competentes para fazê-lo quando se trata da maçã
porque, como explicaremos em seguida, a maçã representa, não uma provação de
ordem corporal, e sim uma do domínio da inteligência, pois que a maçã é o fruto
símbolo do conhecimento.
A Maçã
Desde a maçã de Adão e Eva até o pomo da Discórdia, passando pelo pomo de ouro do jardim das Hespérides (na mitologia grega, são primitivas Deusas que representavam o espírito fertilizador da Natureza), encontramos, em todas as circunstâncias, a maçã como um meio de conhecimento.
Ela está carregada de duplicidade pois, ora é o fruto da Árvore da Vida que está no meio do Paraíso e ora é o fruto da Árvore da Ciência do bem e do mal que, paradoxalmente, lá também se encontra.
Pode ser, portanto, conhecimento unificador que confere a
imortalidade ou conhecimento desagregador que provoca a queda.
Se examinamos seu simbolismo, também, desde o ponto de vista de sua estrutura física, podemos constatar novamente essa duplicidade característica dos meios de conhecimento.
Assim, ela é símbolo do conhecimento, pois um corte feito perpendicularmente ao eixo revela que, no seu íntimo, está um pentagrama, símbolo tradicional do saber, desenhado pela própria disposição das sementes. Por outro lado, o pentagrama é também um símbolo do homem-espírito e desde esse ponto de vista ela indica, ao mesmo tempo, a involução do espírito dentro da matéria.
A Rainha
disfarçada bateu à porta, e Branca de Neve enfiou a cabeça e disse:
- Não posso
deixar ninguém entrar. Os sete anões me proibiram isso.
-
Pior para mim, disse a velha, pois terei de voltar para casa com minhas maçãs.
Mas, olhe, eu lhe dou esta de presente.
- Não
tenho coragem de comer, respondeu Branca de Neve.
-
Será que está com medo? gritou a velha.
-
Olhe vou parti-la em duas metades; você come a parte de fora e eu comerei a de
dentro. (A maçã estava preparada com tanta habilidade que só as partes
vermelhas estavam envenenadas).
Os anões
não enterraram Branca de Neve, mesmo depois que a encontraram envenenada pela
maçã e não conseguiram ressuscitá-la, porque depois de passar por essa fase,
Albedo, não se volta mais ao Nigredo, pois o processo segue em frente para o
Rubedo, que é a união com o Espírito representado pelo príncipe.
As cores alquímicas e seu simbolismo (indicadas também pelas aves que lamentam Branca de Neve) são claramente mostradas no texto abaixo:
Quando os
anõezinhos regressaram à noite encontraram Branca de Neve estendida no chão e
aparentemente morta. Levantaram-na e procuraram nela alguma coisa venenosa,
desapertaram-lhe o vestido e até lhe despentearam os cabelos e a lavaram com
água e vinho. Mas, de nada serviu. A querida menina parecia realmente morta.
Estenderam-na
então num ataúde e os sete anões colocaram-se à sua volta e choraram sem cessar
durante três dias e três noites. Depois quiseram enterrá-la, mas vendo-a tão
fresca e com as faces tão coradas disseram uns para os outros:
- Não
podemos enterrá-la na terra negra.
E encomendaram uma caixa de cristal transparente.
Através dela se via o corpo de Branca de Neve por todos os lados e os anões escreveram seu nome em letras douradas no vidro, dizendo que ela era filha de um Rei.
Depois colocaram a caixa de cristal no alto de uma rocha e sempre ficava ali um deles vigiando. Até os animais selvagens lamentaram a perda de Branca de Neve: primeiro chegou um bufo, depois um corvo e por último uma pomba.
Durante muito tempo Branca de Neve permaneceu placidamente estendida em seu féretro.
Nada mudou em seu rosto
e parecia que estava adormecida, pois continuava negra como ébano, branca como
a neve, vermelha como o sangue.
Como
dissemos acima, a maçã é um símbolo do Mundo.
Mas, o que
a Rainha má oferece a Branca de Neve é Apenas o aspecto mais externo, mais
atraente e venenoso deste Mundo com o qual ela tem que entrar em contato para
dominá-lo (novamente, temos um paralelo com Matrix).
A história
nos conta que, apesar de aparentemente morta, Branca de Neve mantinha o mesmo
frescor de pele e a beleza luminosa do tempo em que estava viva. Isso nos
indica que a alma, com o corpo transfigurado e dissolvido nela, está pronta
para que o Espírito aja sobre ela e a torne indestrutível.
Passaram-se meses, e aconteceu que o filho do rei viajava pelo bosque, e entrou na casa dos anões para passar a noite. Não tardou a dar-se conta do ataúde de cristal no alto da rocha, contemplou nele a bela jovem que repousava, e leu a inscrição dourada.
Depois que leu, disse, dirigindo-se aos anões:
- Dêem-me
esta caixa, e pagarei o quanto quiserem por ela.
Mas os anões responderam:
- Não
venderemos nem por todo o ouro do mundo.
- Então
quero-a de presente, disse o príncipe, porque não poderei viver sem Branca de
Neve.
Os anões
vendo a ansiedade com que ele fazia o pedido, ficaram compadecidos, e acabaram
entregando a caixa, e o príncipe ordenou a um dos seus servos que a carregasse
nos ombros. Mas, aconteceu que este tropeçou numa raiz, e com o baque, saltou
no chão o pedaço da maçã envenenada que estava na boca de Branca de Neve.
Imediatamente esta abriu os olhos e levantando a tampa da caixa de cristal,
voltou a si, e perguntou:
- Onde estou eu ?
- Está
salva e a o meu lado! respondeu o príncipe cheio de alegria. E lhe contou o que
havia sucedido, terminando por lhe suplicar que o acompanhasse ao castelo do
rei seu pai, pois ele a queria para esposa. Branca de Neve aceitou, e quando
chegaram ao palácio celebraram-se as bodas o mais rapidamente possível, com o
esplendor e magnificência adequados a tão feliz sucesso.
O pedaço da
maçã, que Branca de Neve não engoliu e, portanto, não se tornou parte dela é um
último vestígio do mundo que nela se mantinha, de certo modo, sobreposto. Ele é
retirado com a presença do príncipe. O Espírito, então, dá a forma final à
alma.
Existe uma
versão do conto, bem antiga, na qual o Príncipe mantém relações sexuais com a
Branca de Neve e o movimento da relação é que faz o pedaço de maçã escapar da
garganta da princesa.
E a Rainha
Má?
A Rainha má
a princípio resolveu não ir às bodas, mas depois não pode resistir ao desejo de
ver a jovem Rainha, e, quando entrou e reconheceu Branca de Neve, de tanta
raiva, e de tanto assombro, ficou como pregada no chão. Levaram-lhe então,
seguros por uma tenazes, uns sapatos de ferro, aquecidos em brasa, e com eles a
rainha teve que bailar até cair morta.
O mundo
manifestado, feito de agitação e desejo, esgota-se em seu próprio movimento,
quando posto em frente da unidade do Espírito.
O
casamento, símbolo da unidade e do encontro dos opostos toma aqui uma acepção
específica: é a união da Alma com Espírito. União, impossível de acabar porque
é feita de uma felicidade absoluta que está além e acima da “Matrix”. Por isso
todos os contos iniciáticos acabam com a expressão “e viveram felizes para
sempre.”
É bom
lembrar que o sapato tem entre suas acepções simbólicas duas principais: é,
primeiramente, representação do viajante e, portanto, do movimento.
Simboliza
não só a viagem para o outro mundo, mas a caminhada em todas as direções, neste
mundo mesmo.
Em segundo
lugar, é uma prova da identidade da pessoa, como em Cinderela, que é
reconhecida pelo príncipe porque seu pé cabe num sapatinho de cristal.
Na história
de Branca de Neve, o pé da Rainha má cabe num sapato de ferro em brasa.
Enquanto a
delicadeza do cristal é a marca da identidade de Cinderela, a Rainha má é
reconhecida pelo peso, dureza e densidade do ferro.
O símbolo deve pertencer sempre de uma ordem
inferior à daquilo que é simbolizado; assim, as realidades do domínio corporal,
que são as de ordem mais baixa e mais estreitamente limitadas, não são
simbolizadas por coisa alguma porque tal símbolo é completamente desnecessário,
já que elas podem ser apreendidas diretamente por qualquer um.
Por outro
lado, qualquer fenômeno ou acontecimento, (por mais insignificante que seja),
devido à correspondência que existe entre todas as ordens de realidade, pode
ser tomado como símbolo de algo de ordem superior, da qual ele é de certo modo
uma expressão sensível, pois que deriva dela do mesmo modo como uma
consequência deriva de seu princípio.
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