O Simbolismo da Roda – Perspectivas da Arte

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Parece evidente que o que hoje em dia é considerado como arte, o que se entende por isso, pouco ou nenhuma relação tem com as concepções expressas anteriormente. 

Não se tratará de fazer uma crítica exaustiva das hipóteses ou controvérsias estéticas atuais – nem do mercado e da profissão de artista –, e tampouco das circunstâncias cíclicas, histórico-sócio-culturais econômicas, que engendraram estes tremendos equívocos e diminuições, ainda que se queira destacar certos detalhes ou enganos exemplificadores.

Um deles consiste em tomar por arte uma série de trabalhos escolhidos mais ou menos arbitrariamente, condicionados por circunstâncias temporais que se canalizam por meio das modas, usos e costumes, e lhes atribuir uma categoria “artística”. 

Outro, o de se outorgar à arte uma natureza objetiva, como se se tratasse de uma realidade tangível que se pudesse transpor a tal ou qual artefato. 

“As obras estão feitas com arte, não são arte”, adverte-nos lucidamente A. Coomaraswamy. 

Poder-se-ia objetar que todas as coisas são arte, mas sempre que se visse nelas um símbolo expresso da ideia, quer dizer, uma possibilidade de encarnar esta. 

Mas, se a visão fosse literal, entender-se-ia uma vez mais o símbolo não como mediador, mas sim de maneira objetal, separando-o de seu contexto, convertendo-o em uma deidade idolátrica, um fetiche ou um tabu. 

Um equívoco mais seria tomar a arte como algo mais ou menos intranscedente ou prazenteiro, mas quase necessário, algo que “espiritualiza” ou faz mais agradável o ambiente geral. 

Como uma experiência lúdica, uma técnica inteligente – quase primorosa – de evasão, fornecedora de uma alta dose de conforto e status. 

Ou inversamente, dramatizar as circunstâncias criativas, adjudicando-lhes uma importância absoluta, tratando de fazer transcendentes as vivências psicofísicas ou a matéria com a qual se trabalha, que por definição não são transcendentes. 

Outro mais: a divisão entre o que é belo ou simbólico e o que é útil, ignorando que o que é belo ou simbólico, tem por si mesmo o máximo da utilidade. 

Mesmo assim, reduz-se a arte ao gosto, que, como o ego, constantemente passa, e hoje é uma coisa e amanhã outra. 

Igualmente, a atitude daqueles que pretendem utilizá-la como um meio de propagação ideológica ou de influência psíquica, qualquer que esta seja, pelo mesmo [motivo] destacado anteriormente.

A arte tomada como expressão da personalidade é uma falácia, posto que essa personalidade, tal qual hoje a visualiza, é inexistente. 

Foi extraída do meio que a condicionou. 

E não é mais que a reprodução ou mera imitação de gestos, quando não a cópia decidida de estilos, atitudes, modas, maneiras, “Ideias”; em suma: de uma série de historietas tão falsas como as nossas, tendo em vista que os modelos que, conscientemente ou não, copiamos, desembocaram em situações análogas às quais nos tocaram e procederam de igual forma, disfarçando-se da melhor maneira possível, no baile de fantasia progressista no qual estamos. 

E assim, as máscaras vão trocando com o passar do tempo, com a constante de que em cada caso acreditam ser “nós” essa mesma máscara. 

Isto é, a identificação com o embuste do momento[44], com a qual estamos vinculados emocionalmente, a maior parte das vezes por um acontecimento fortuito, por um fato casual de um ou outro sentido, ante o qual reagimos de tal ou qual maneira. 

Situações que extraímos do ambiente e que ficam impressas em nossa psique como algo próprio e pessoal e muito importante, quando na realidade são inteiramente inventadas pela ilusão de outros que compartilham nossa ignorância.

É necessário advertir que estamos completamente programados, e aquilo pelo que estamos dispostos a morrer, vale dizer nossa identidade pessoal, não é mais que algo imposto pelas circunstâncias contingentes (socioeconômicas, histórico-geográficas e familiares) que nos coube viver. 

Que homem realmente poderia se identificar, sendo universal, com o número de seu documento de identidade ou com sua impressão digital ou com suas obsessões, fobias e manias?

Já se disse que a vida é sonho, e também que a sociedade moderna, que afirma enfaticamente suas suposições indiscutíveis, e que nos molda “positiva” e “materialmente” neles, é uma farsa. 

Em todo caso é evidente que nós internamente não somos essa ilusão, esse engano compartilhado que vemos mudar ante nossos olhos de maneira evidente em suas formas políticas, históricas, sociais, científicas, afirmando com a mesma segurança, solidez e desenvoltura, anteontem uma coisa, ontem outra, hoje ainda outra diferente – completamente opostas e contraditórias –, atitude que seguirão mantendo até o fim, como o vêm fazendo, justificando-se sempre. 

E o que é mais paradoxal: tomando este estado de total confusão e de reincidência de enganos filosóficos e desvios que vêm assinalados, desde a antiguidade, como progresso e evolução. 

Se nos negarmos a ser esse produto social, cabe perguntar-se: o que somos? E encontrar uma saída. 

Que seria o mesmo que reconhecer a própria identidade, o ser, o verdadeiro eu. 

Está-se no meio de uma roda e não se pode fugir. 

Apanhados, tudo se repete outra e outra vez, e não conseguimos escapar de nossos padrões, que se reciclam em um perpétuo retorno, já que estamos aprisionados no cárcere do princípio e do fim, da dualidade da causa e do efeito, que obriga a nossa psique a repetir indefinidamente suas condutas em perfeito acordo com o tempo, que se reitera de tal maneira, que cada dia que passa é um aproximar do prazo da velhice, da enfermidade e da morte.

Acontece que, homens deste século, não recordamos que o ser humano aprende tudo. Ensinam-nos a comer, a caminhar, a falar, e daí por diante a série. 

Nada seria o homem do que pretende se não o tivesse aprendido. Somos o que sabemos, e isso sempre nos é ensinado. 

E surpreendentemente acreditamos, e damos como algo natural – como consubstancial com o ser humano – um saber infuso comum a uma espécie privilegiada, proprietária e reitora da terra, quando certamente não fazemos senão imitar imitações que nos conformam. Isto é válido não somente para os conhecimentos racionais ou conscientes, mas sim deste modo o é para o “sentimento” e até para o “instinto” – ambos aprendidos –, que na época atual são a maior garantia de certeza.

Por isso, trate-se de abandonar a confusão da ideia de tempo, tal qual hoje nos oferece, para conhecer e viver o atemporal, a eterna beleza, através do suporte da obra criativa, e acessar o estado onde a causalidade não existe. 

Sem lugar a dúvidas, a arte é uma atividade contemplativa, pois promove o conhecimento através da identificação do sujeito e do objeto, por mediação da beleza. 

Mas o “esteta”, o personagem oficial que se ocupa destes assuntos, ignora-o, já que é um apaixonado apenas pela superfície das coisas[45]. 

A arte é a evocação da ideia arquetípica, invocada no rito da criação. 

É a irrupção do invisível e inaudível, que mediante a forma e o pensamento se expressará a si mesmo, reconhecendo-se no gesto e na palavra, que configuram toda manifestação – até a cósmica –, o que é equivalente à cunhagem de uma linguagem ou código, que vai do universal ao particular, e deste retorna ao universal, pela atração do perfeito da obra – à qual nada há que se adicionar nem se tirar –, que simboliza a perfeição de seu criador, pelas correspondências estabelecidas entre eles.

Partidas de xadrez do século XVIII, XIX ou XX, têm estilos tão diferentes entre si, como o têm as artes visuais, a literatura, a música e toda moda ou atividade, em íntima relação com as ideias filosóficas, as ciências e as mentalidades desses períodos. 

O gosto muda, é relativo e perecível como a apreciação “estética”. 

Mas se as obras tiverem sido executadas retamente, isto é, de acordo à arte, e como expressão da natureza universal, da vida, do conhecimento, da compreensão das pautas do modelo cósmico, ou em concordância com a ciência dos ritmos – o que equivale a dizer perfeitas em seu gênero –, têm que refletir necessariamente a beleza completa daquilo que as inspirou.

Mas hoje em dia se substitui ao significado pela anedota, esquecendo que é o conteúdo das imagens mentais de quem realiza a obra, o que efetiva o rito da criação. 

Que sem elas e seu sentido, tudo seria uma mera reprodução ou paródia (muito hábil, espetacular ou rotineira), sem nenhum objeto nem significado, salvo o da multiplicação quantitativa, a adulação momentânea da vaidade, a degustação de um pequeno poder ou o cumprir com a “consciência” moral (ou imoral), satisfazendo-a com a mera ação, a que se atribuem assim características mágico-sacro-religiosas, dentro de um contexto social, material e profano. 

Desde estes pontos de vista, a atividade artística é um negócio como qualquer outro, acaso uma profissão especializada ou um trabalho que alguém quer cumprir. 

De acordo com o padrão social vigente, é o marchand quem tira o maior proveito rentável, posto que ele cria e dirige o mercado em relação com seus gostos, ideologias e interesses particulares, em companhia ou contra outros pessoais análogos, com o qual se repartem o poder da “tirania” cultural e sua tradução monetária. 

A arte não é algo superficial, nitidamente esnobe e classista, relacionada com o triunfo na vida e com o êxito. 

Uma atividade para “preparados”, que por motivo de certas facilidades, se sobrevalorizam sem se recordar que, por outra parte, qualquer [um] tem estas disposições naturais num ou noutro campo, nem todos hoje considerados como “artísticos”[46].

Enfim, e para não seguir abundando em detalhes e em críticas arquiconhecidas para aqueles que se interessam nestes assuntos, e voltando para nossos temas específicos, se não fosse um excesso, diríamos que o símbolo, por definição, é indefinível, já que é algo significante, distinto de si mesmo, em razão do qual ele é tal. 

Entretanto não devemos confundir seu significado com sua função significante ou significativa. 

De fato, o significado dos signa (ou milagres) é o da revelação do sobrenatural. 

Nunca o efeito destes signa ocorrem no meio [social][47]

Esta “definição” enquadra a criação artística – símbolo por excelência – e do mesmo modo o homem, que é o símbolo mais alto da obra criacional. 

Se considerarmos o modelo da roda e o transpormos ao ser deste homem, diremos que o ponto central corresponde a seu Eu, a sua interioridade, a sua identidade, a seu espírito, e a periferia a seus egos pessoais, a sua exterioridade, a suas circunstâncias e a seu corpo. 

Logicamente, se o ponto central representar o espírito e a circunferência o corpo, é fácil inferir que o que vai do ponto virtual ao limite do plano, a zona intermediária, que é quase a superfície inteira da figura do círculo – vale dizer os indefinidos rádios ou raios que comunicam o mais interno, profundo e misterioso, com o mais externo, superficial e manifesto –, corresponderá à função da alma, anima ou psique, verdadeiro veículo da arte.

Tomando em devida conta que esta mediação tem uma parte mais alta, a mais próxima ao espírito (onde convergem as irradiações no ponto central e estão mais próximas a ele), e outra mais baixa, a mais próxima ao corpo (aonde os raios se foram separando, afastando do centro). 

Esta é a antiga distinção entre a Vênus Urania e a Vênus Pandemos, e entre Diana e Hécate, e também entre a verdadeira arte relacionada com a cognição e a beleza e a arte de adulação, ou festiva, vinculada com o gosto e com a superficialidade. 

Na verdade, estes extremos não se excluem, salvo na mentalidade dos que tomaram partido por um, negando e menosprezando o outro –tendo optado certamente pelo mais baixo–, e nos ensinaram como única e boa essa escolha, tentando nos complicar em suas manobras.

Não nos resta, então, mais remédio senão negar a negação e afirmar então os princípios, ou seja, o imóvel e eterno (sagrado), para poder complementá-lo com seu oposto incessante, o que se move e muda (profano) e compreender assim o tempo e seu sentido simbólico, tal como o da manifestação, sabendo que na imanifestação primitiva, na imutabilidade, têm que se achar seu complemento e sua origem. 

Já que o sensível é o reflexo do inteligível, ou como já se disse: “o invisível deixa-se ver à inteligência por suas obras”[48].

Tomemos cuidado de certas pessoas[49], que têm feito de seu conformismo ou sua rebeldia um credo, as quais, por um imperativo lógico e histórico de sua estrutura interna, não podem superar a periferia, a ilusão, a literalidade, o consumo psicológico e ideológico, a má fé congênita e, sobretudo, a ignorância, que já faz uns séculos está na última moda.


Autor: Federico González
Tradução: Igor Silva

Notas

[44] – As máscaras teatrais gregas deram lugar, por meio do latim, à palavra “pessoa”.

[45] – “Guias cegos, que coam o mosquito e tragam o camelo!” (Mateus, XXIII, 24).

[46] – Na cozinha, na jardinagem, na medicina, na caça, nos jogos de mãos, no cálculo aritmético, etc.

[47] – Cf. cap. II nota 12.

[48] – Romanos, 1, 20.

[49] – Essas pessoas também somos nós ou muitos de nossos egos.


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