A MORTE, UMA QUESTÃO DE CULTURA


Para os materialistas, principalmente, os ocidentais, morrer significa o fim de tudo. 

Muitos não conseguem entender essa realidade e buscam a todo custo fugir da morte. 

Dai, criam um apego exacerbado pela vida, que só faz sofrer todo aquele que segue por esse caminho. 

Perder tudo o que possuem, o seu conforto pessoal, deixar familiares e etc., gera um desconforto muito grande que vai aumentando à medida que chega a velhice. 

É um suplício. 

No entanto, há povos que em sua cultura, a morte é uma consequência e não o fim de tudo. 

É um completo desapego pela vida. 

Até mesmo porque acreditam que morrer é um renascer. 

Envelhecer para eles é o ápice da sabedoria; fase da sua existência em que os mais jovens lhes têm admiração e total atenção, não sendo, portanto, um completo estado de invalidez. 

Já a velhice para os esquimós era/é um peso que a família devia descartar. 

Muitas vezes, a morte dos mais velhos era provocada pelos jovens, sem demonstrarem nenhum remorso. Ou então, quando os idosos não podiam mais andar, eles eram abandonados em algum lugar, para serem devorados pelo urso polar. 

Na Idade Média e até mesmo antes dela, quando os guerreiros morriam no campo de batalha era a glória. 

Morrendo diante do seu inimigo, seria a concretização da sua coragem. Ao mesmo tempo, sobreviver dos conflitos travados vencendo o seu opositor, era um ato de bravura; a glória alcançada; um orgulho para o seu nome. 

Dependendo dos hábitos culturais, no caso dos samurais, morrer em defesa da própria honra através do suicídio, seria como lavar o espírito da vergonha sofrida, um purificar da alma. 

Com esse ato suicida demonstravam o seu ato de coragem, sarando o orgulho ferido. 

Ou então, morrer espontaneamente, para os esquimós, não passava de uma obrigação pela sua invalidez diante da comunidade. 

Tanto no primeiro caso, como no segundo, percebe-se que a morte lhes era muito peculiar, como se fosse apenas um trocar de roupas. 

Os samurais, guerreiros medievais japoneses, serviam durante toda a vida a um só senhor, nesse caso ao xogum. 

Quando uma falta, diante do chefe, não era tão grave, sentiam-se muito mal e pediam inúmeras desculpas e perdões, como forma de demonstrarem o sincero arrependimento. Porém, se a sua infração era praticamente imperdoável, eles não encontravam outro modo de se desculparem senão através da morte, para recuperar a honra perdida com esse ato de coragem, praticando o seppuku (harakiri). 

Há registro de que o primeiro seppuku (haraquiri) foi feito no ano de 1170, pelo samurai MinamotoTametomo, que se suicidou sobre sua própria espada, depois de ser derrotado por uma clã inimiga. 

O último registro dessa prática aconteceu em 1970 pelo grande escritor japonês Yukio Mishima, três vezes indicado ao prêmio Nobel de literatura. 

O que levava esses bravos e destemidos guerreiros a cometerem o suicídio? Diz um ditado samurai: “Perca a honra e a vida também estará perdida.” 

Para eles um homem sem honra era um homem morto, nada mais tinha significado para continuar vivendo. 

Não havia outra maneira de lavar a sua vergonha pelo fracasso, a não ser com a própria morte, através da prática do haraquiri (cortar a barriga) termo vulgar ao se referir ao seppuku (cortar o ventre), expressão mais nobre para esse tipo de autocídio. 

Eles acreditavam que cortando o ventre, estavam abrindo a janela da alma deixando passar através do corte a mais profunda e íntima sinceridade. Com essa prática, demonstravam que exprimiam a mais sincera lealdade ao seu senhor. Isto é, queriam dizer que é nas entranhas que se esgota e encerra a última verdade do ser. 

No entanto, o ato final do suicídio através do seppuku não era a morte, mas sim de provar a sua lealdade e coragem diante do fracasso, que a sua derrota não foi por covardia ou por temor a própria morte. Antes morrer do que a desonra, principalmente nas lutas travadas no campo de batalha, esse era o lema dos samurais. 

Nessa prática de suicídio não há nenhum registro de medo ao encarar a morte com as próprias mãos, que se diga de passagem, é muito dolorosa. 

A expressão de dor era controlada até o último suspiro quando se caia no chão, inerte e sem vida. Muitas vezes, nesse caso, a morte era abreviada pelo kaishakunin com um golpe de misericórdia. 

Para o maçom, o seppuku acontece quando ele morre para o mundo profano. 

É um suicídio cometido quando diz sim à maçonaria, ao afirmar que veio para vencer as suas paixões e submeter a sua vontade. 

Ai está expressa a sua morte, ao anular os seus instintos egoístas, procurando, doravante, ser um novo homem.

Kamikaze 

Kamikaze significa vento de Deus em japonês. Ficou conhecido após tornar-se o nome de um tufão, que dizem ter salvado o Japão de ser invadido por um exército de um conquistador do Império Mongol no ano de 1281. 

Durante a Segunda Guerra Mundial, o vicealmirante Takijiro Onischi, vice chefe do Estado Maior Geral da Marinha japonesa, criou as operações kamikaze, com a formação de unidades de ataques suicidas, por aviadores militares do Império Japonês contra navios aliados, para destruir o maior número possível de embarcações de guerra, ao custo de perder a sua própria vida. 

Os kamikazes eram jovens pilotos destemidos. Tinham a cultura de que a derrota ou o fracasso em sua missão era motivo de desonra, daí preferir a própria morte arremessando seus aviões contra os navios inimigos. 

Uma vez desferido o ataque mortal era praticamente impossível a sua sobrevivência e da sua tripulação, quando fosse o caso. 

O que significava a morte para esses pilotos militares? Qual o valor da vida para todos eles? 

A essas perguntas não se sabe dar respostas concretas. Sabe-se apenas que morrer pela honra valia muito mais que a própria vida, quando ela era manchada pela vergonha do fracasso. 

Então, nesse caso, praticar o suicídio para evitar a desonra da derrota, talvez, tivesse o mesmo significado de renascer para uma nova vida. Assim eles acreditavam. 

Dentro desse conceito qual o motivo de temer a morte? Com certeza nenhum era encontrado. 

Na cultura dos samurais, o ato de morrer pela honra ferida, ou diante de uma vergonha sofrida por uma derrota militar, o suicídio era uma prática, que colocava em prova toda a bravura do guerreiro, por sentir-se envergonhado pelo fracasso de sua missão. 

Assim, também, podemos analisar os destemidos kamikazes, que não temiam a própria morte no campo de batalha, praticando da sua forma o seppuku/haraquiri, o suicídio espontâneo. 

Nesse caso, morrer em nome da honra, vale muito mais que viver com a desonra e a vergonha por não atingir o seu objetivo. 

Quando o homem perde a sua dignidade, perde também com ele a própria vida. 

Essa era a compreensão daqueles bravos guerreiros. Nesse contexto, a morte é efêmera, e a vida passa a ter uma conotação diferente da nossa cultura ocidental. 

Cultura dos Esquimós 

Na cultura dos esquimós, a pessoa idosa torna-se um peso para a família por não ser mais produtiva. 

Os velhos são vistos como um fardo a serem carregados. Sem forças para caçar e/ou pescar não conseguem o próprio sustento e nem contribuem para a alimentação da comunidade. 

Quando chegavam nesse estágio da vida, é/era costume os filhos darem uma manta aos pais, como sinal, para que eles se entregassem a própria sorte. 

Então, normalmente, à noite, saiam de casa e se colocavam em local onde pudesse ser devorados por um urso polar. Ou então, quando eles estavam incapacitados de andar, serem deixados por algum familiar, em ponto de convergência, entregues a própria sorte, ou seja, condenados à própria morte. 

Ainda com relação à velhice, outros costumes são apontados aos esquimós: se numa viagem uma pessoa idosa, por falta de forças, demorava mais que o necessário para realizar um determinado percurso no transcorrer da viagem, ela se afastava voluntariamente do grupo para morrer – esta prática ficou conhecida como eutanásia altruísta. Era comum entres os Kutchin (esquimós que vivem até hoje na região do Alasca), os idosos pedirem para seus familiares que os matassem, por se considerarem inúteis e serem um peso para a comunidade em que viviam. 

Sendo uma questão de sobrevivência, os jovens obedeciam a esse pedido dos mais velhos e, com um ano depois, eles celebravam uma cerimôniapara lembrarem-se dos mortos, tudo acontecia com muita naturalidade e sem grandes lamentações ou remorsos. 

O que significa a morte para esse povo nômade, que vive numa região completamente inóspita? 

Morrer para eles é uma questão de sobrevivência para seus descendentes. 

Ou seja, os mais velhos servem de alimento para os ursos polares, e estes alimentam os filhos e netos de suas vítimas, além de fornecerem, também, a sua pele como proteção contra o frio. 

Nesse tipo de conduta dos esquimós, há uma completa entrega sem nenhum resquício de medo ou de apego pela vida. Nada mais justo quando se tem em mente de que o seu sacrifício é para dar oportunidades para aqueles que ainda são jovens. 

Ainda de acordo com suas crenças, seus filhos são a reencarnação dos seus antepassados, daí as crianças serem muito importantes para os esquimós. 

Quando se tornam adultos, depois de sua morte, a alma continua a viver da mesma maneira como quando a pessoa estava viva. 

Nesse caso, não há motivo para temer o desconhecido, se tudo é uma questão de renascer. Não existe razão para ter medo.


O Buscador - Campina Grande- PB Brasil Ano 2 N° 1  – 31 jan/jun - 2017

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