Ontem e hoje contra o totalitarismo

 

totalitarismo

O Parlamento Europeu designou 23 de Agosto “Dia europeu em memória das vítimas de todos os regimes autoritários e totalitários

Existem datas – como a de hoje – que não podem ser abandonadas ao esquecimento, pela pertinência que mantêm no presente. Formalmente designado pelo Parlamento Europeu como “Dia europeu em memória das vitimas de todos os regimes autoritários e totalitários, a ser comemorado com dignidade e imparcialidade“, a data de 23 de Agosto foi escolhida internacionalmente por nela ter ocorrido, em 1939, a assinatura do Pacto Molotov-Ribbentrop, de má memória, entre a União Soviética estalinista e a Alemanha nazi.

Obviamente, esta é uma data de enorme significado para todos os maçons, perseguidos ao longo da história pelos diferentes regimes totalitários. Foi ainda em 1934 que os nazis emitiram um decreto definindo as lojas maçónicas como “hostis ao Estado”, levando posteriormente à sua dissolução e ao confisco de todos os bens. Propagando uma alegada conspiração judaico-maçónica, o regime hitleriano tinha em Reinhard Heydrich um perseguidor sanguinário que considerava os maçons, juntamente com os judeus, os “inimigos mais implacáveis da raça alemã”. Muitos milhares de maçons foram assim enviados para os campos de concentração.

Na União Soviética, a maçonaria foi proibida ainda mais cedo, em 1918, chegando Trotsky a declarar que se travava de “uma úlcera no corpo do comunismo, que deve ser cauterizada”. Não é conhecido o número de maçons enviados para os Gulags siberianos, mas numa reunião da Segunda Internacional, Grigory Zinoviev exigiu que os maçons fossem “expurgados”, enquanto a propaganda comunista insistia numa “cabala da burguesia radical, incompatível com o socialismo”. Extinta na União Soviética, a maçonaria foi também proibida e perseguida na China e na maioria dos restantes países comunistas.

Na Itália de Mussolini, na Espanha de Franco, no Portugal de Salazar, os maçons foram também reprimidos e proibidos de se reunir. Algo incompreensivelmente, apesar de a União Soviética ter sido o primeiro regime nesta série de proibições totalitárias, em Espanha a lei que ilegitimou a atividade maçónica foi designada “Lei da Repressão da Maçonaria e do Comunismo” devido a um alegado complô “judaico-maçónico-comunista”.

Armindo Azevedo - Grão-Mestre da Grande Loja Legal de Portugal / GLRP
Armindo Azevedo – Grão-Mestre da Grande Loja Legal de Portugal / GLRP

E no nosso país foi em 1935 que a lei – bem conhecida e de má memória – da autoria de José Cabral proibiu a maçonaria, o que levou à intervenção pública em sua defesa, sem sucesso, de diversos intelectuais, incluindo Fernando Pessoa.

A maçonaria regular portuguesa associou-se a um esforço mundial de recolha de fundos, para posterior entrega das verbas à Grande Loja Ucraniana

Infelizmente, as razões que levaram à associação deste dia 23 de Agosto às vitimas dos totalitarismos de outrora mantêm-se atuais. Logo após a invasão da Ucrânia pelos exércitos de Putin, a Grande Loja Regular da Bélgica declarou a partilha do seu território com a Grande Loja da Ucrânia no caso de este país ser totalmente ocupado. A maçonaria regular portuguesa associou-se a um esforço mundial de recolha de fundos, para posterior entrega das verbas à Grande Loja Ucraniana, como contributo para o  esforço de resistência naquele país.

Tendo em conta os valores maçónicos da liberdade, fraternidade e solidariedade e da tolerância, bem como o apego visceral dos maçons ao respeito das leis e da soberania dos Estados, nada é mais alheio ao espírito que nos subjaz do que o totalitarismo, sejam quais forem as formas que assuma.

Do mesmo modo, vê a maçonaria como negativo para a evolução de uma sociedade aberta em que – mesmo em regimes democráticos como o vivido em Portugal – subsistam preconceitos e mitos que levam à marginalização injustificada dos maçons, face a outras entidades e organizações com um historial menor no que toca à defesa das liberdades e garantias.

Afinal, os ditadores são todos aqueles que fomentam o ódio, a xenofobia, a exploração, as desigualdades, o racismo, as guerras, a humilhação, a pobreza, a fome, o genocídio, as tiranias e as ditaduras. Bem sabemos que todos estes males possuem origem humana e é neles que a maçonaria regular tem de agir.

Que esta data de 23 de Agosto, hoje tristemente recordada, sirva para homenagear todas as vitimas do jugo totalitário – e também como aviso e lembrança de que as pulsões totalitárias continuam aí, mais ou menos visíveis, perseguindo, mas por isso mesmo também unindo todos os homens livres, nas diferentes partes do mundo.

Armindo Azevedo
Grão-Mestre da Grande Loja Legal de Portugal / GLRP

Comentários