O APRENDIZ COMO ELEMENTO DE ANÁLISE HISTÓRICA SOBRE A MAÇONARIA
Introdução
Elemento central da Sessão de Iniciação, o Aprendiz Maçom deveria ser também o eixo em torno do qual qualquer Loja atual deveria gravitar.
Isso não se restringe unicamente ao fato de a ele ser dirigida as atenções da Loja durante os momentos de estudo, mas, igualmente, por ser o Aprendiz o vetor de todo um movimento reflexivo que abarca, ou, ao menos, deveria abarcar, todos os componentes da Loja. Pelos estudos, análises e interpretações trazidas pelos Aprendizes, enceta-se uma atividade na qual todos os maçons passariam a re-significar suas próprias experiências, maçônicas e profanas, em função dos conteúdos apresentados pelos Aprendizes, sejam esses conteúdos diretamente vinculados às Instruções, sejam vinculados a outros temas de estudo. Portanto, ao maçom especulativo cabe o dever e a obrigação de questionar a si próprio e rever suas opiniões com base na ampliação dos conhecimentos adquiridos pelos estudos daqueles que recém-ingressaram na Maçonaria.
Entretanto, a presença do Aprendiz nas Lojas nem sempre teve essa centralidade. Na chamada Maçonaria Operativa, o Aprendiz era aquele a quem o Mestre Maçom deveria dirigir seus esforços, ensinando-lhe a trabalhar e a se portar corretamente no canteiro de obras. Assim pode ser observado nos relatos mais antigos que estão à disposição dos pesquisadores.
À guisa de explicação, aqui serão abordados alguns dos documentos mais importantes para o estudo da Maçonaria. Em hipótese alguma pretende-se afirmar categoricamente a origem dela, sobretudo porque, até o momento, qualquer proposta nesse sentido seria desprovida de credibilidade, uma vez que não há como se comprovar, em definitivo, onde e quando os maçons surgiram.
Sendo assim, será considerada como base histórica a obra de Jean Ferré, intitulada A história da franco-maçonaria (1248-1782). Por fim, as afirmações aqui apresentadas serão respaldadas também pelos resultados de pesquisas coordenadas por historiadores maçons e por membros da respeitada Loja Quatuor Coronati, n. 2076, de Londres.
Aprendizes nos canteiros de obras
Os especialistas da histórica Loja londrina conseguiram rastrear aquele que seria o documento mais antigo no qual se mencionam regras da Maçonaria Operativa. São os chamados Estatutos de Bolonha ou Statuta et ordinamenta societatis magistrorum tapia et lignamiis, escritos em 8 de agosto de 1246 e registrados em 1248, apenas vinte anos após a cidade de Bolonha ter sido constituída.
O que chama prontamente a atenção nesses estatutos é a preocupação em conferir proteção financeira, ética e moral, estabelecendo sanções relativas ao mundo do trabalho e, também, ao cotidiano dos operários. Como resultado, o texto refere-se, em grande parte, às obrigações financeiras dos Aprendizes e também dos Mestres. Se estes, por ventura, rompessem com as regras, como admitir um Aprendiz por menos de quatro anos, período que o artigo XXX preconizava como o tempo mínimo que o Aprendiz deveria cumprir na companhia, deveriam ser punidos e pagar multas. Além disso, o artigo XXXII proibia o acesso àqueles que fossem criados de outra pessoa ou que fossem estrangeiros, impedindo, ainda, o casamento com um criada, que resultaria em pagamento de multa e exclusão irrevogável da companhia. Para que o Aprendiz fosse recebido, o artigo XXXIII definia:
Nós estatuímos e ordenamos que cada M∴ se encarregue da admissão de seu Apr∴ na companhia logo que ele completar dois anos de permanência com esse M∴ e tiver recebido desse Apr∴ toda a garantia relativa a sua admissão. Cada infração será punida com uma multa de vinte centavos bolonheses, a menos que a garantia não seja suficiente. (FERRÉ, 2003, p. 30).
Confirmando a importância do vínculo estabelecido entre um Mestre e seu Aprendiz, o artigo L afirma:
Nós estatuímos e ordenamos que um M∴ da companhia que dispense um Apr∴ antes do prazo de cinco anos [maior do que os quatro anos anteriormente citados] não possa admitir outro Apr∴ antes do decorrer desse prazo, sob pena de uma multa de quarenta centavos. (FERRÉ, 2003, p. 34).
Neste caso, pode-se inferir que a penalidade financeira assumia relevância secundária. O aprendizado seria, neste caso, o fator mais importante. Ou seja, o Mestre é quem acabava sofrendo retaliações por ter abandonado seu Aprendiz. Começava, então, a surgir, em meados do século XIII, a proeminência em Loja do Aprendiz, a quem eram passados os conhecimentos acumulados, responsáveis estes pelo sucesso de seus empreendimentos e pelo fortalecimento político do grupo.
Vale lembrar que a Europa medieval não era um ambiente favorável ao livre deslocamento de indivíduos, ainda que não tenha sido, tampouco, um período desprovido de migrações, internas e externas. Ao contrário do que se pensava até pouco tempo atrás, apesar de ligadas às terras de seus senhores, as pessoas comuns deslocavam-se de uma região a outra da Europa. Os motivos eram os mais variados: busca por novas terras durante os invernos; atração exercida pelos centros urbanos; guerras; peregrinações; formação de entrepostos comerciais fora da Europa; reuniões eclesiásticas, como concílios e sínodos; fugas; e muitos outros (FRANCO JÚNIOR, 2006, p.20).
Mesmo assim, os deslocamentos geralmente eram feitos por necessidade, tendo sido poucos os indivíduos que decidiram empreender viagens e conhecer novos mundos (PORTELA, 2007, p. 11). Os momentos de deslocamento, portanto, apesar de existentes, não eram comuns, e um dos fatores que estimulavam os medievais a empreender seus movimentos populacionais, permanentes ou transitórios, eram as peregrinações religiosas. As mais emblemáticas eram o Caminho de Compostela e as peregrinações à Roma e Jerusalém. Partindo de regiões distantes como as cidades do norte da Alemanha, muitos peregrinos dirigiam-se para Santiago de Compostela.
Enquanto que de Colônia pelo menos já se testemunham algumas pessoas no fim do século XII, a peregrinação a partir das cidades do norte da Alemanha parece ter sido instituída mais tarde. Ainda assim diz-se que desde 1280, navios com peregrinos de Stralsund lançavam-se ao mar rumo a Santiago. Desde o século XII já há indicação de viagens de peregrinos a partir de Holstein rumo ao mesmo objetivo. Em 1317 o comerciante de Rostock Volmar vom Baumgarten (de Pomerio) fez um testamento, porque queria viajar para Santiago de Compostela. Ele é uma das primeiras pessoas oriundas desta região, que podemos detectar. Das cidades do sul da Alemanha ainda não se encontram ainda nesse primeiro momento peregrinos em número considerável a caminho de Santiago de Compostela. Muitas pessoas parecem ter partido em um número maior somente por volta de 1430, a fim de cultuar São Tiago na Galícia. Possivelmente os espanhóis que participavam dos concílios de Constança (1414-1418) e Basileia (1431-1449) ocuparam-se com uma divulgação mais ampla do culto, em especial entre os comerciantes pertencentes às camadas superiores das cidades do sul da Alemanha. Em contrapartida, os nobres e dignitários eclesiásticos destas regiões já tinham anteriormente encontrado o caminho para Santiago […].
Paralelamente a isso, muitos peregrinos partiam especialmente a partir das regiões costeiras do Mar do Norte e do Mar Báltico em navios, em sua grande maioria para La Coruña ou a um outro porto próximo a Santiago e de lá peregrinavam a pé até o túmulo de Tiago. (MILITZER, 2008, p. 82).
No que se refere a essa questão dos deslocamentos pelo continente europeu, é interessante notar o artigo décimo terceiro do Regius, manuscrito de 1390 e publicado pela primeira vez em 1840 por James O. Halliwell, daí ser conhecido também como Manuscrito Halliwell:
O artigo décimo terceiro, que Deus me guarde, Diz que, se o M∴ admitir um Apr∴, Ele o instruirá da melhor forma que puder, Transmitindo-lhe seu saber. Assim ele conhecerá o ofício e poderá Trabalhar, não importa em que lugar da terra. (FERRÉ, 2003, p. 45, grifo meu).
Fica claro, porém, que a preocupação com o Aprendiz respondia à uma questão prática, de perpetuação das técnicas e conhecimentos adquiridos pelas companhias de construtores.
No referido documento, escrito por um clérigo com a intenção de fixar as tradições dos maçons que eram transmitidas oralmente e, portanto, passíveis de mudanças, algumas das preocupações expressas pelo documento de 1248 seguem presentes: não se admitir um servo como Aprendiz (artigo quarto), garantir o tempo mínimo em que um Mestre deverá manter sob sua responsabilidade um Aprendiz, agora não mais de quatro, mas de sete anos (artigo terceiro), condição reiterada mais tarde pelos Estatutos Schaw, de 1598, que ainda condicionam mais outros sete anos após o término do aprendizado para que o Aprendiz possa se tornar um companheiro. Acrescentam-se outras: o repúdio ao bastardo e a obrigatoriedade da perfeição física (artigo quinto), base para o 18º landmark, a necessidade de se adquirirem conhecimentos para que o Aprendiz possa receber o aumento de salário (artigo sexto) e a regulação das relações profissionais entre o Mestre e o Aprendiz (décimo quarto) (FERRÉ, 2003, p. 42-46). Destarte, depreende-se que, naquele momento, o Aprendiz centralizava muitas das atenções.
Já quase na passagem do século XVI para o XVII, William Schaw compôs os Estatutos que levam seu nome (1598). Rígido quanto ao ensino dos neófitos, Schaw estipulou que nenhum Mestre poderia ficar responsável por mais de três Aprendizes durante toda a sua vida (FERRÉ, 2003, p. 123), fato que demonstra claramente a preocupação com a mais perfeita formação dos Aprendizes, constatação apoiada pelo rígido regulamento desse aprendizado. Surgem, pela primeira vez, evidências de que os Aprendizes receberiam sinais e palavras de reconhecimento fornecidos em cerimônias especiais de recepção.
Em 1710, os Manuscritos Dumfries revelavam as mesmas preocupações concernentes ao comportamento dos Aprendizes, regulando e regrando suas atividades dentro e fora de Loja. A novidade é a presença de um longo questionário (catecismo), valorizando os segredos e contendo vários mistérios, e de um simbolismo, no qual aparece, de forma inédita, a lenda de Hiram, ainda que não se faça alusão a sua morte.
Por fim, já no século XVIII, encontra-se, no Capítulo IV das Constituições de Anderson (1723), o seguinte comentário:
Toda promoção entre os maçons baseia-se apenas no valor e no mérito pessoal […].
Os candidatos devem saber que nunca um M∴ admitirá um Apr∴, se não tiver trabalho suficiente para lhe dar e se ele não for um jovem homem completo, isento de deformidades ou de defeitos físicos que o tornem incapaz de aprender a Arte, servir o senhor de seu M∴, ser feito Ir∴, e depois, quando for o tempo, Comp∴ M∴, após ter cumprido seu tempo nas condições fixadas pelos costumes do país. Ele deverá além disso ser descendente de pais honrados, para que, se for julgado digno, possa ter a honra de ser Vig∴, e depois M∴ da Loj∴, Gr∴ Vig∴ e até Gr∴M∴ de todas as LLoj∴, se tiver mérito. (FERRÉ, 2003, p. 191).
O trecho é revelador da mudança pela qual a Maçonaria passou no século XVIII. Como tributário do ideário expresso pelos Antigos Deveres (Old Charges), Anderson manifestou a preocupação com a perfeita compleição física dos candidatos. Porém, o foco deixava de ser essas características, ainda que elas fossem mencionadas com relativa ênfase, e deslocava-se para o aprimoramento do Aprendiz, de modo que ele fosse capaz, dada sua origem “honrada”, de exercer os cargos em Loja. Nada diferente do que é feito atualmente na Maçonaria: escolha de candidatos dignos e honrados, com preocupações em sua formação maçônica, para que, enfim, possam estar aptos a exercer todo e qualquer cargo em Loja e, se possível, almejar o cargo máximo da hierarquia maçônica, se tiver condições para tal.
O lugar do Aprendiz nas Lojas maçônicas
Na Europa medieval, quando uma corporação começava a construção de uma igreja, catedral ou castelo, erguia-se, no canteiro de obras, um abrigo de madeira que servia de encontro para seus membros. Esse lugar ficou conhecido como Loja. Nesse recinto, os construtores alimentavam-se, abrigavam-se das intempéries, descansavam ou preparavam os trabalhos dos dias seguintes.
Porém, à noite, nessas Lojas, rituais baseados na leitura de fatos históricos lendários eram realizados pelos construtores. Essas narrativas, escritas em rolos estreitos e muito longos, chamados Old Charges (Antigos Deveres), eram lidas nas sessões. As reuniões ritualísticas abarcavam também cerimônias destinadas ao recebimento de jovens construtores, os Aprendizes.
Na chamada Maçonaria Especulativa, a Loja funciona como local de trabalho espiritual. Dentro dela, cada integrante ocupa um lugar específico, de acordo com as funções ou o Grau que possui. No caso dos Aprendizes, seu lugar é a Coluna do Norte. Mas, por que ela? Talvez a definição do termo Aprendiz ajude a elucidar essa questão. De acordo com o Dictionnaire maçonnique de Jean-André Faucher, o Aprendiz é:
Aquele que aprende sob a autoridade de um mestre. Chama-se assim o franco-maçom do primeiro grau. Ele veste em Loja um avental de pele branca. Ele trabalha com a régua de vinte e quatro polegadas, o malho e o cinzel. No Templo, ele possui seu lugar na Coluna do Setentrião. (FAUCHER, 1981, p. 19).
Por essa definição, depreende-se que o Aprendiz seria desprovido de qualquer condição de seguir na Arte Real sem o auxílio de um Mestre. Por conseguinte, ao Mestre caberia a responsabilidade de guiar os Aprendizes durante suas trajetórias maçônicas.
Alec Mellor, por sua vez, dá a seguinte definição, mais ampla e completa:
Primeiro grau da Franco-Maçonaria. (Em francês antigo: Apprentif). O “período de experiência” nas antigas corporações durava alguns anos, e somente depois que um Aprendiz passava em suas provas é que era agregado, incorporado, donde o nome de Entered Apprentice, conservado pela Franco-Maçonaria inglesa e que pode ser traduzido por “Aprendiz registrado”. O francês emprega apenas o termo Aprendiz.
O avental de Aprendiz é feito de pele de cordeiro branco, símbolo da inocência, e este maçom deve usá-lo com a abeta erguida, para que possa se proteger, pois ainda não sabe trabalhar. Desde a noite de sua iniciação, ele começa a “trabalhar a pedra bruta”, o que o Rito Escocês Antigo e Aceito simboliza colocando-lhe nas mãos o maço para que ele desfira simbolicamente os primeiros golpes destinados a desbastá-la. As “ferramentas” que a Franco-Maçonaria lhe confia são a “régua de 24 polegadas”, o “maço” e o “cinzel”. Cada uma dessas ferramentas tem uma utilidade construtiva própria, mas como a Maçonaria moderna não constrói mais edifícios materiais, tem um segundo significado, esotérico. Cada ferramenta tem um sentido moral, explicado quando da “apresentação das ferramentas”.
No Rito Escocês Antigo e Aceito, é dada uma “idade” simbólica ao Aprendiz: “três anos”. Essa esquisitice aparente significa que ele é iniciado no sentido esotérico dos números 1, 2 e 3, mas também que esse neófito “não sabe ler nem escrever”. Sabe somente “soletrar”. No Rito Escocês Retificado, ele tem, simbolicamente, “três anos”.
Na Loja, os Aprendizes postam-se na coluna do Norte, em frente ao Sul. (MELLOR, 1989, p. 62)
Há, entre as duas definições, diferenças conceituais profundas. Enquanto Faucher ressalta a incapacidade do Aprendiz de caminhar sozinho, enfatizando a responsabilidade dos Mestres para com seus Aprendizes, Mellor sugere a iniciativa individual como elemento intrínseco àquele que pertence ao primeiro Grau. Para este pesquisador, o Aprendiz inicia sua longa jornada ainda em sua Iniciação, quando começa o trabalho na Pedra Bruta. Em comum, ambos os textos, ao caracterizarem o termo em questão, mencionam a localização do Aprendiz em Loja na Coluna do Norte.
No Brasil, temos à disposição alguns documentos históricos que poderiam auxiliar no entendimento da simbologia dessa distribuição. Nos rituais usados em 1815 pelo Grande Oriente do Brasil, seguindo o Rito Adonhiramita, lê-se:
– […] aonde [sic] se collocão os Aprendizes?
– […] No Septentrião, por que [sic] elles não podem supportar senão uma fraca luz! (PROBER, 1993, p. 101).
O ritual de 1833, do Rito Escocês, afirmava:
– […] Aonde [sic] vos collocarão depois de vossa recepção?
– Ao [sic] Septentrião.
– Porque [sic]?
– Porque he a parte dos menos esclarecidos: e um Aprendiz, que apenas tem recebido mui fraca luz, não está no estado de supportar maior claridade […] (PROBER, 1993, p. 102).
Outro ritual do GOB, de 1834, do Rito Francês, trazia a seguinte notação:
– […] Onde estão os Aprendizes?
– […] No Septentrião, porque só podem supportar uma luz fraca. (PROBER, 1993, p. 102).
A Coluna do Norte surge nesses rituais como sendo o local menos iluminado da Loja. Escuridão que, associada simbolicamente à ignorância, deve ser transformada em Luz por meio dos instrumentos oferecidos pela Maçonaria (PROBER, 1993, p. 103). Essa simbologia da Coluna do Norte é derivada da maneira como o Templo de Salomão foi concebido. Ele possuía três portas apenas: no Sul, no Oeste e no Leste. A fachada norte era, assim, desprovida de entradas ou janelas, constituindo-se no lado escuro. Kurt Prober lembra que foi apenas na reconstrução do Templo, empreendida por Zorobabel, que se abriu uma porta ao norte, a “porta Tadi” (da obscuridade). Por essa passagem, transitavam somente os enlutados e os considerados impuros.
Na mesma linha, mas seguindo uma abordagem esotérica, Jorge Adoum enfatiza que o lado esquerdo, o da Coluna do Norte, é o lado do negativo e do tenebroso. Essa concepção é retomada por ele em sua menção às duas colunas, B∴ e J∴, ao argumentar pela correta disposição destas nos Templos (ADOUM, 1977, p. 61 e 75). Aqui, vale lembrar as palavras bíblicas de Mateus, 25: 34-46:
Então o rei dirá aos que estiverem à sua direita: “Vinde, benditos do meu Pai, recebei em herança o Reino que foi preparado para vós desde a fundação do mundo. […]” Então ele dirá aos que estiverem à sua esquerda: “Retirai-vos para longe de mim, malditos, para o fogo eterno que foi preparado para o diabo e para seus anjos. […]” E irão estes para o castigo eterno, mas os justos irão para a vida eterna. (GALACHE, 1996, p. 1226).
A Iniciação de profanos, portanto, assume, em nossos dias, um caráter inegavelmente simbólico, segundo o qual a participação completa do Aprendiz se dá por meio de seu afinco aos estudos e, sobretudo, de sua doação à Loja, dedicando-lhe tempo e energia para poder ocupar-se dos trabalhos e da formação de todos os membros da Loja, não somente dos próprios neófitos, mas de todos os maçons.
Assim, a construção da Arte Real, como é conhecido o conjunto de ensinamentos maçônicos, torna-se dinâmica, pela participação ativa de todos, infindável, como a construção da personalidade, e recíproca, dada a participação coletiva dos maçons no desenvolvimento das qualidades humanas. Elementos centrais das Lojas, as atividades levadas a cabo pelos Aprendizes, tal como a própria cerimônia de Iniciação, considerada movimento rumo ao Conhecimento (BOUCHER, 2011, p. 9), deveriam servir como reflexão para aqueles que já foram iniciados.
Considerações finais
Como pôde ser observado, as funções dos Aprendizes nos canteiros de obras medievais baseava-se nos trabalhos manuais, no desenvolvimento de sua destreza técnica e, também, nas condutas de vida fora do ambiente de trabalho. Restrições, normas de adoção e prerrogativas, tanto para os Aprendizes quanto para os Mestres, eram constantemente motivos de preocupação nos documentos medievais aqui mencionados. À medida que a maçonaria deixava os canteiros de obra e tornava-se uma instituição de caráter especulativo, as atenções dadas aos Aprendizes deixavam de se concentrar nas atuações profissionais de cunho técnico e passavam a considerá-los elementos centrais nos trabalhos simbólicos realizados pelas Lojas, como pode ser observado nos estudos acerca de sua localização nas Lojas.
A Maçonaria, desse modo, tem, refletidas em suas estruturas sociais, as suas mudanças conjunturais. Vale dizer, a transformação das atividades laborais para os trabalhos reflexivos realizados pelos Aprendizes são, sem dúvida, reflexos da transformação pela qual a Maçonaria passou durante a modernidade (ruptura), ao mesmo tempo que se manteve a centralidade de seus recém-integrados (permanência).
Autor: Paulo Ferraz de Camargo Oliveira
Paulo possui graduação em História pela USP – Universidade de São Paulo (2007) e Mestrado em História Social pela USP – Universidade de São Paulo (2011).
Fonte: Revista Ciência e Maçonaria
Bibliografia
ADOUM, Jorge. Grau do Aprendiz e seus mistérios. São Paulo: Pensamento, 1977.
BOUCHER, Jules. A simbólica maçônica. 11. ed. Tradução Frederico Pessoa de Barros. São Paulo: Pensamento-Cultrix, 2011.
FAUCHER, Jean-André. Dictionnaire maçonnique. Paris: Éditions Jean Picollec, 1981.
FERRÉ, Jean. A história da franco-maçonaria (1248-1782). Tradução Eni Tenório dos Santos. São Paulo: Madras, 2003.
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média, nascimento do ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2006.
GALACHE, G. C. A Bíblia. São Paulo: Edições Loyola; Paulinas, 1996.
GRANDE ORIENTE PAULISTA. Landmarks. São Paulo: edição própria, 1994
MELLOR, Alec. Dicionário da franco-maçonaria e dos franco-maçons. Tradução Sociedade das Ciências Antigas. Rev. Trad. Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
MILITZER, Klaus. O caminho dos peregrinos do Sacro Império Romano-Germânico a Santiago de Compostela. Tradução Álvaro Alfredo Bragança Júnior. In: Brathair, v. 8, n. 1, 2008. p. 79-92.
PORTELA, Feliciano Novoa; TOLEDO, F. Javier Villalba Ruiz de. Introducción. In: ________________ (Orgs.). Viajes y viajeros en la Europa medieval. Madrid: Lunwerg Editores; Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2007.
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