A frase refirida, em sua versão mais divulgada, diz: Mudar o mundo, amigo Sancho, não é loucura nem utopia, mas sim justiça.
A construção literária não está muito acabada, se nos referimos ao estilo, e é pouco cervantina (ou, se vocês querem, pouco imputável ao autor do Quixote), mas deveríamos considerar a possibilidade de que o tradutor desconhecido da história de Alonso Quijano, aquele mourisco que passara a obra do árabe para o espanhol, segundo relata Cervantes, tenha tido como língua materna o árabe, o que explicaria algumas das falhas da obra (e também da tradução da frase, embora de todo modo devamos recordar que traduzir é dizer quase o mesmo, como outro descobridor de manuscritos já o disse).
A isso se teria somado uma omissão deliberada por parte de don Francisco de Robles, livreiro e negociante, especializado em publicações oficiais e obras jurídicas que, em seu caráter de Livreiro do Rei, não podia deixar passar uma frase tão abertamente subversiva.
A maioria dos expertos assinala que a primeira constância escrita de uma expressão similar, e que poderia ter dado origem a esta, foi obra do poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe, que em 1808 publicou o poema intitulado ‘Ladram’ (Kläffer), o qual dizia: En busca de fortuna y de placeres Más siempre atrás nos ladran, Ladran con fuerza… Quisieran los perros del potrero Por siempre acompañarnos Pero sus estridentes ladridos Sólo son señal de que cabalgamos.
Tudo parece indicar que foi deste poema de onde retirou (quase um século depois) Rubén Darío a inspiração para cunhar uma expresão que costumava dizer quando era criticado pela mestiçagem de sua origem.
Dita expressão já trazia incorporado o nome de Sancho, porém o que não se sabe é porque o poeta nicaraguense a atribuiu a si: ‘Si los perros ladran, Sancho, es señal que cabalgamos’; cabe destacar que houve inclusive alguém que quis atribuí-la a Miguel de Unamuno.
Assim intitula Umberto Eco (2008) seu ensaio sobre a tradução, e é conhecido que apela a este recurso, o do achado de um manuscrito, em sua célebre novela O nome da rosa.
A omissão, talvez, tenha tido uma origem muito menos ominosa, sendo simplesmente devida a um erro do chefe da oficina, Juan de la Cueta, encarregado da confecção material, porém, e isso é o importante, o certo é que a frase pode ter sido cunhada na ocasião, desde que Cervantes e o real autor do Quixote, ambos impenitentes leitores, como o mesmo Cide Hamete Benengeli e até o mesmo tradutor mourisco, de quem pouco sabemos, puderam ter lido o célebre e não menos improvável relato de Thomas Morus, publicado em 1516, de onde seguramente surgiram as ideias da famosa ilha de Barataria, cujo começo Sancho começa com ideias tão subversivas como as dessa frase, mas sobre isso tornarei mais adiante.
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