A CEGUEIRA (MORAL) HUMANA ...

 



Cegueira moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida

No ritmo acelerado do mundo contemporâneo, no qual a atenção dificilmente consegue se fixar em algo importante, corremos o sério risco de perder a sensibilidade em relação aos outros.
Em “Cegueira Moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida” (2014), Zygmunt Bauman, o maior pensador social contemporâneo, junto com o filósofo e professor de ciência política da Lituânia, Leonidas Donskis, fazem uma análise brilhante desse novo mal que assola nossa época e nos anestesia perante o sofrimento alheio.
Uma leitura fundamental e de grande interesse para todos aqueles que se preocupam com as mudanças mais profundas que, silenciosamente, moldam a vida dos homens na modernidade líquida, uma modernidade que retrata tanto fenômenos compostos de aparência, quanto desprovidos de referências.

Bauman é talvez o maior pensador da humanidade que traduz, nomeia e contribui para a nossa compreensão sobre ela.


No ritmo acelerado do mundo contemporâneo, no qual a atenção dificilmente consegue se fixar em algo importante, corremos o sério risco de perder a sensibilidade em relação aos outros. Em “Cegueira Moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida” (2014), Zygmunt Bauman, o maior pensador social contemporâneo, junto com o filósofo e professor de ciência política da Lituânia, Leonidas Donskis, fazem uma análise brilhante desse novo mal que assola nossa época e nos anestesia perante o sofrimento alheio. Uma leitura fundamental e de grande interesse para todos aqueles que se preocupam com as mudanças mais profundas que, silenciosamente, moldam a vida dos homens na modernidade líquida, uma modernidade que retrata tanto fenômenos compostos de aparência, quanto desprovidos de referências.

Bauman é talvez o maior pensador da humanidade que traduz, nomeia e contribui para a nossa compreensão sobre ela. Lembrando que a sociologia pertence ao campo das ciências humanas, a sociologia dele é o próprio relato da experiência humana (sentimentos, desespero, insensibilidade, relações humanas). Assim, ele provoca no seu leitor uma postura ética de se implicar no próprio discurso, de reconhecer a alteridade do Outro, deixando de lado a tão conhecida dicotomia entre quem diz e quem escuta, entre quem escreve e quem lê.

Para quem não tem familiaridade com a adjetivação pós moderna deste autor, atribuindo aos fenômenos atuais as mesmas propriedades presentes nos líquidos, a vida líquida é aquela que facilmente se dissolve, evapora e dissipa de nosso controle, de nossa consciência e de nossos valores mais absolutos. Na transitoriedade e na banalidade de nossos laços afetivos, o compromisso é um palavrão, significando a contramão de como a pós modernidade se apresenta. A palavra de ordem é, ao invés disso, o descaso, a indiferença e o mínimo sentimento de coletividade. O individualismo se expressa ferozmente, nos induzindo à nomeada imoralidade de tempos antigos, pois a defesa do grupo, o olhar cuidadoso e genuíno às necessidades do outro persistem como uma esquecida nota de rodapé de nossos tempos contemporâneos.

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O amor e o erotismo são substituídos pela masturbação, ou seja, por fazer sexo com quem realmente é importante para mim - eu mesmo.
Portanto, não existe mais o encontro de corpo e alma com um Outro, mas sim um prolongamento da autossuficiência do homem tecnológico que se estimula no espaço virtual através da pornografia. Temos que nos usar, uns aos outros antes que o nosso prazo de validade expire.

Leonidas Donskis pontua a traição e a lealdade como fenômenos do nosso mundo dignos de apreciação. Cita a analogia da identidade do homem moderno com os móveis modulares da Inglaterra na década de 60: módulos independentes eram comprados em quantidades referentes às condições do comprador e eram montados de acordo com o que o instante exigia, o armário de ontem virava uma cama hoje, sem garantias do que viria a ser amanhã. Assim, a identidade do indivíduo se transforma a cada momento, a depender de sua situação e necessidade, podendo se alterar a cada novo dia. Os seres humanos não pertencem a mais nada e a ninguém em sua inteireza de personalidade, qualquer imersão em grupos de pertencimento é desfeita e abandonada livremente, qualquer contrato assinado hoje pode ser quebrado sem que a palavra entre em desonra.

Cada um de nós pode se tornar o que quiser. Escolhe sua nação, bem como qualquer identidade moderna que lhe convier. Os poderes da comunidade e da cultura estão tão frágeis, a sociabilidade tão prejudicada, que a identidade passa a ser uma compilação de máscaras sem significados. Sem essência e de pura aparência, somos verdadeiros líquidos em recipientes, onde a nossa forma de ser se molda e se adequa a cada novo círculo de convivência ao qual participamos. Nossa maleabilidade é indecente - assumimos rostos diversos e disfarçados conforme a exigência do agora, sem nos determos a qualquer dimensão de ética e lealdade. Nossos direitos camaleônicos, auto-intitulados e endossados por uma sociabilidade débil, assumem o ápice do narcisismo, ignorando qualquer vestígio de existência de um camarada.

As metáforas da Era Moderna não cessam. Assim como os móveis modulares, Don Juan de Marco é outro herói da modernidade. Campeão da sedução, do erotismo e do prazer absoluto e fugaz, ele extrai de suas amadas tudo que deseja e nada lhes oferta, nem mesmo o seu nome para que se livre de qualquer compromisso. Diante dessa metáfora líquida do descompromisso moderno, onde foram parar conceitos como lealdade e traição? Na Era do homem situacional, a lealdade torna-se inoperante, desconfortável e ofegante. A fidelidade, por sua vez, é o avesso de Don Juan, é a coragem de revelarmos nossas fraquezas e limitações mais profundas, é a entrega incondicional a outro que nos ajuda na revelação de quem somos, ao mesmo tempo que admitimos nosso despreparo para reconhecer tamanhas debilidades.

Será que a evaporação de nós mesmos pode ser sanada mediante o encontro com outro? Os Outros são o testemunho de nós e do mundo ao nosso redor. Vivendo um momento de perfeccionismo, de culto ao corpo, de aparência e de satisfação momentânea e situacional, que permissão nos damos para expressar nossos erros, nossas falhas e nossas imperfeições?

O Outro é simplesmente quem pode encontrar em nós o que nós mesmos perdemos. O Outro é o maior convite de entrega profunda de nossas fragilidades. É a promessa de nos despir da caricatura criada para agradar em contraposição a inteireza de quem verdadeiramente somos, incluindo nossas vulnerabilidades, as porções de nós mesmos que nos envergonha, embora também nos constitua.
O verdadeiro encontro entre dois seres acontece quando nos dispomos a nudez reveladora de nossa alma, quando nos abstemos das máscaras e dos disfarces que compuseram nosso estereótipo performático.​

Comentários

  1. Zygmunt Bauman nasceu na polônia no ano de 1925, e com o início da Segunda Guerra Mundial, fugiu com seus pais, judeus não praticantes, para a antiga União Soviética com o objetivo de escapar do nazismo em sua terra natal.

    Após a guerra e a condecoração com uma honra militar pela valorosa atuação como instrutor político na divisão polonesa do Exército Vermelho, Bauman voltou para Varsóvia a fim de estudar filosofia e sociologia. No entanto, foi afastado da universidade devido à leitura de textos e livros considerados subversivos e, portanto, censurados.

    Foi, então, para a Inglaterra, onde lecionou na Universidade de Leeds e foi consagrado, recebendo diversas honrarias, como, por exemplo, o prêmio Adorno, por toda a sua obra, e o prêmio Amalfi, por sua obra Modernidade e Holocausto.

    Zygmunt Bauman morreu em janeiro de 2017, aos 91 anos, na Inglaterra, onde passou a maior parte de sua vid

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  2. A filosofia de Bauman
    Bauman baseou a maior parte de sua obra no conceito de “modernidade líquida”, com referência à fluidez, para tratar da formação das relações sociais e interpessoais na pós-modernidade, e em contraposição à ideia de modernidade “sólida” que, após a queda do Muro de Berlim, em 1989, demonstrou estar, gradativamente, se desintegrando.

    Esta anterior, que teve seu auge entre os séculos XIX e XX, tinha como premissa a ideia de que o homem teria a capacidade de dar à humanidade um novo futuro e moldar o seu próprio, em um modelo de sociedade fundamentado em instituições como a família e o Estado. No entanto, segundo o sociólogo, este modelo de sociedade estava fadado ao fracasso e, pouco a pouco, inevitavelmente, seria substituído pelo que ele chamou de modernidade líquida.

    A modernidade líquida, assim como matérias que se encontram neste estado, é marcada pela incerteza, pela ausência de forma definida e pela inconstância. Desta forma, sem ter certezas a respeito do futuro, o indivíduo pertencente ao pós-modernismo, tem sua vida focada no agora e em suas próprias vidas, sem buscar o auxílio de outras instituições para decidir ou se planejar. Conceitos como produtividade, conteúdo e experiência são substituídos, na pós-modernidade, por outros como especulação, performance e flexibilidade.

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  3. As principais obras de Zygmunt Bauman
    Entre os anos de 1957 e 2017, Bauman escreveu mais de 50 livros e, destes, 30 foram publicados no Brasil. Entre suas principais obras, podemos mencionar as seguintes:

    Modernidade e Holocausto (1989);
    O Mal-Estar da Pós-Modernidade (1997);
    Globalização: As Consequências Humanas (1998);
    Modernidade Líquida (2000);
    Capitalismo Parasitário (2010);
    44 Cartas do Mundo Líquido Moderno (2011);
    Cegueira Moral (2014);
    Babel (2016);
    Estranhos à Nossa Porta (2017)

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