A Grécia antiga estava dividida num número considerável de pequenos
estados independentes, alguns muito reduzidos quanto ao território e à população.
Com excepção de Esparta e Atenas,a quase totalidade dos estados gregos não atingia o milhar de quilómetros quadrados e alguns nem sequer a centena.
Alguns exemplos elucidativos quanto à reduzida extensão da maioria dos Estados gregos (os números dados indicam quilómetros quadrados)a Beócia,com 2580, comportava dez póleis e mais tarde vinte;
a Fócida, com uma superfície de 1575, tinha 22 cidades, cada uma a rondar os cerca de 70; Corinto, uma grande pólis, com cerca de 880; Sícion com 360;
Fliunte com cerca de 175; Egina com 85; Melos com 152; a Eubeia possuía oito cidades,o que dava uma média de 460 para cada uma; em Lesbos,uma ilha com 1750, havia 6 póleis; Ceos, com 24 km de comprimento e 13 de largura, esteve dividida em três cidades estado independentes, durante grande parte da sua história.
Delos, um estado constituído pelas ilhas de Delos e de Reneia, é talvez o caso extremo: rondava os vinte e dois quilómetros quadrados.
Quanto à população, apesar de serem falíveis e oscilantes as cifras e estatísticas para essa época,o seu número era sempre relativamente reduzido.
A esse estado autónomo e autárcico davam os Helenos o nome de pólis, que de modo geral aparece traduzido nas várias línguas,ora por «cidade-estado»,ora apenas por «cidade»
. Nenhuma destas designações corresponde, no entanto,exactamente ao sentido do termo grego e, tanto uma como outra, pode gerar,além disso, confusão.
A pólis não se refere apenas ao estado; por outro
lado, sendo quase sempre uma povoação de reduzidas dimensões,não entra de modo algum no nosso conceito moderno de cidade como grande
aglomerado urbano.
Em face do que acabo de expor, vou servir-me por sistema do termo grego.
Os exemplos que vou dar são, intencionalmente, de épocas diferentes, já que as póleis (plural de pólis), apesar de uma transformação considerável, sobretudo
ao longo da época arcaica, apresentam traços comuns até que desaparecem nos fins do século IV a.C.,com a formação dos reinos helenísticos.
O conceito de pólis
A pólis era o concreto dos cidadãos, no seu conjunto, e não o estado como entidade jurídica abstracta, noção que não estava ainda formada.
Os Gregos não a designavam,como actualmente, pelo nome do país, por exemplo Esparta, Atenas, Corinto,mas pelo concreto dos que nele viviam e o formavam os Espartanos ou Lacedemónios, os Atenienses,os Coríntios.
Para o Grego, os cidadãos é que interessavam, já que eram eles o cerne da pólis e não o aglomerado urbano.
Um passo de Tucídides afirma claramente que não são as muralhas e as casas que constituem a pólis: Nícias,chefe das forças atenienses na expedição à Sicília (415-413 a.C.), de trágicas consequências,
termina assim o seu discurso, dirigido aos soldados antes da batalha decisiva,em que lhes lembra a necessidade de serem valentes e de combaterem pela cidade:
É que a pólis são os cidadãos e não as muralhas nem os barcos viúvos de homens.
O aglomerado urbano e o território apareciam apenas como o local em que os homens construíam uma comunidade de hábitos, normas e crenças.
Daí admitir-se que a pólis seja transferível para outro sítio.
Heródoto conta um episódio esclarecedor.
Durante a segunda invasão persa,comandada por Xerxes (480 a 479 a.C.), perante a proposta dos Espartanos e de outros estados gregos de se retirarem para o Peloponeso e construírem uma muralha defensiva no Istmo de Corinto (abandonando desse modo ao inimigo a Ática e as outras regiões gregas do continente) Temístocles, dirigente de Atenas na altura e comandante das suas forças, ameaça abandonar a causa grega e transferir a pólis ateniense para outro lugar: para Síris, na Itália.
Daqui se deduz que a pólis tinha também o sentido de povo, com ou sem associação política.
Vejamos um exemplo tirado do Rei Édipo de Sófocles:
O protagonista pede para Jocasta mandar chamar o escravo sobrevivente dos que acompanhavam Laio no momento da morte
Pretende saber dele se o rei foi morto por uma ou mais pessoas.
Responde-lhe a rainha que o servo não pode desdizer o relato feito, porque «toda a pólis o ouviu, não apenas eu».
Ou seja: Jocasta pretende dizer que não foi ela sozinha a escutá-lo, mas «toda a população».
Se neste exemplo o termo designa povo, como entidade que se distingue do estado,em outros passos surge com o sentido de entidade política.
Por exemplo, Demóstenes, no discurso Contra Mídias, elucida que todo o atode violência ou insolência é passível de uma acusação pública apresentada por
alguém que o queira, visto a lei considerar que quem recorre à violência comete uma injustiça contra a pólis e não apenas contra a vítima.
A pólis englobava ainda a vida económica e não se concebia desligada da religião.
Hoje aceita-se o princípio de que o estado deve estar separado da religião, matéria que pertenceria ao foro íntimo e à consciência de cada um.
Tal ideia era impensável para os Gregos, que consideravam a religião (embora não em todas as suas formas) parte integrante e nuclear da pólis e as cerimónias e atos do culto funções da alçada dos governantes.
Se os deuses olímpicos eram adorados por todos os Gregos, cada pólis prestava com frequência cultos privados a esses deuses, distintos dos das
restantes; além disso, cada uma delas tinha os seus heróis próprios e possuía uma divindade políade ou protectora,caso da deusa Atena para Atenas e
de Hera para Argos.
A ligação da religião à pólis era tão íntima que, no pensar dos Gregos, as divindades protectoras a abandonavam no momento em que ela era conquistada.
A partir de então deixava de ser um estado autónomo e ficaria subjugado a uma pólis com outra divindade protetora.
Se os aspectos até agora enumerados constituíam traços importantes da pólis, esta dava primazia à lei que nela se realizava e satisfazia, quer se tratasse
do thermos, quer do nomes,dois termos que significavam lei, mas que designavam realidades diferentes, pelo menos quanto à origem e autoridade.
.Baseando-se a pólis na aceitação absoluta da lei (no sentido lato, que inclui o que nós chamamos a constituição, o conjunto de regulamentações e normas
que informam a vida da cidade) e de uma administração despersonalizada,o Grego era cioso de ter por único soberano essa lei: por ela devia a pólis reger-se e cada um modelar o seu comportamento.
.Péricles, na «Oração fúnebre» que lhe atribui Tucídides,
põe em realce a obediência das leis pelos Atenienses, especialmente das que protegiam o oprimido.
Uma atividade criadora inspirada pela liberdade e
assegurada pela lei constituía precisamente o ideal que esse dirigente pretendia para Atenas.
Boa parte da força da cidade radicava no facto de os seus cidadãos, apesar de gozarem de grande liberdade, permanecerem observantes da lei, por terem a consciência de que a desordem ou anarquia favorecia os que odiavam o regime ateniense e o queriam destruir.
Daí a afirmação de Atena nas Euménides de Ésquilo:
"Nem anarquia, nem despotismo eu quero
que os meus cidadãos cultivem com devoção.
E que não se lance o temor fora da cidade.
Sem nada recear, qual dos mortais seria justo?"
Mesmo os governantes tinham de obedecer à lei e por ela conformar a sua atuação,sobretudo eles, porque, como observa e bem Creonte na Antígona
de Sófocles, não se conhece o temperamento e carácter de um homem, antes de se exercitar no poder e na legislação.
Esse poder e lei vêm da participação dos cidadãos, sendo nestes que reside a pólis.
Afirma-o, com toda a clareza, o jovem Hémon na mesma Antígona, num diálogo significativo,em que anuncia ao pai a não aprovação de Tebas na decisão de condenar Antígona.
Hémon: Não o afirma o povo todo de Tebas.
Creonte: E é a pólis que me vai dizer o que devo ordenar?
Hémon: Vês que respondes como se foras uma criança?
Creonte: É pois outro, e não eu, que deve governar este país?
Hémon: Nenhuma pólis é pertença de um só homem.
Creonte: Não se considera que a pólis é de quem manda?
Hémon: Sozinho, numa terra deserta, é que governarias bem.
Naturalmente despótico, Creonte não aceita que algo ou alguém se lhe oponha
ou se sobreponha à sua vontade nem que a pólis lhe vá ditar o que deve fazer.
No pensar de Hémon, pelo contrário, nenhuma pólis é pertença de um só homem e o poder autocrático equivale à destruição da pólis.
Nega, de fato, tal estrutura quem actua como tirannos, de forma irresponsável, e baseia o seu agir na própria vontade, sem ter em conta os costumes tradicionais ou a opinião dos outros, quer de um conselho, quer de todos os cidadãos.
A tirania era o regime em que os Bárbaros viviam.
Por isso se forma a oposição entre o sistema de pólis dos Helenos,que tinha por único soberano a lei, e o dos não Gregos, povos subjugados a um soberano que sobre eles tinha poder absoluto.
Fonte:
Civilizações Clássicas, Grécia.
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