Um dos debates mais importantes que se trava em Maçonaria é o conceito que damos a Grande Arquitecto do Universo.
O Landmark nº 1 das Constituições de Anderson é unívoco nesse particular “a Maçonaria é uma Fraternidade iniciática que tem por fundamento tradicional a fé em Deus, o Grande Arquitecto do Universo”.
Ou seja é indispensável crer-se na existência de Deus para se poder ser Maçom.
Mas o nome de Deus dá-se a vários transcendentais, consoante a orientação doutrinal das várias religiões, designadamente as religiões do Livro. Por isso a noção do que podemos chamar GADU tem sido alvo de controvérsia, dentro e fora da Maçonaria.
Para alguns, GADU é o nome que a Maçonaria dá ao que normalmente se chama “Deus”. Porque cada religião, crença ou fé tem nomenclaturas diferentes para o mesmo conceito ou para conceitos semelhantes, e pretendendo a Maçonaria ser equidistante de todas as crenças, opta por um termo que não seja específico de nenhuma religião ou fé, mas que não choque, em princípio, com nenhuma delas, podendo cada um referenciar o Deus que adora.
Para outros, o GADU é apenas a designação que se atribui ao Criador do Universo, sendo esse mesmo Universo a chave do conhecimento do seu Criador.
Assim, através da contemplação das estrelas numa noite límpida poder-se-ia ter um vislumbre do Divino.
Seria esse mesmo conceito – o de Criador – que a Maçonaria designa por “Grande Arquitecto Do Universo”. É o que se designa por Panteísmo, do grego pan = tudo + théos = Deus, isto é, a doutrina filosófica que defende que tudo é Deus, considerando a Natureza e o Universo divinos.
Mas nem assim se resolvem os nossos problemas, já que ao longo da história, o panteísmo incorporou formas doutrinárias ligeiramente diversas.
Por exemplo, o panteísmo clássico considerava Deus a única realidade e o universo uma mera manifestação, emanação ou realização de Deus; o estoicismo identificou Deus com o Universo, considerando-O como a força vital e inteligência cósmica que o governa; o neoplatonismo e, mais tarde, com Giordano Bruno, considerou Deus a causa e princípio do universo.
O panteísmo materialista ou naturalista vê no universo a própria realidade de Deus. O filósofo holandês, de origem judia e portuguesa, Baruch Spinoza (1632-1677) considerava que “Só o mundo é real, sendo Deus a soma de tudo quanto existe”.
A explicitação do que é o GADU liga-se ao debate da milenar questão da existência de Deus e da sua percepção pelos homens: conseguimos, como mortais, perceber a verdadeira natureza de Deus? Dito de outra forma acreditamos Nele porque O percebemos como Ele é ou imaginamos que Ele é ou apenas acreditamos?
A Maçonaria Regular não se deve preocupar com a definição da essência de Deus mas apenas com uma pergunta a que o candidato tem de responder: acredita no Grande Arquitecto do Universo, num ser divino que é o Autor do Mundo e da Ordem Cósmica onde nascemos como raça e civilização?”.
Se sim está em condições de se tornar Maçom, se não, não o pode ser.
Por isso podemos dizer que a Maçonaria é teísta porque acredita que este Ser Divino é a única entidade responsável pela criação do Universo; é omnipotente, capaz de realizar tudo sem a ajuda de ninguém; é omnisciente, ou seja, Aquele que tudo conhece; detém infinita liberdade e suprema generosidade.
Tudo isto nos levaria a concluir que satisfeito o requisito da crença num Ser Divino como Autor do Mundo e da Criação, os nossos problemas ficariam resolvidos e o Landmark nº 1 ficaria cumprido. Mas suscita-se, a seguir o problema da conjugação deste Landmark com o nº 7 que dispõe “os Maçons tomam as suas obrigações sobre um volume da Lei Sagrada, a fim de dar ao juramento presidido por eles o carácter solene indispensável à sua perenidade”.
Crendo-se na existência de um Ser Superior é notório que as regras cardiais da Maçonaria Regular impõem a tomada do juramento sobre um livro da Lei Sagrada, não cuidando a Maçonaria de dizer qual deva ser esse livro.
Trata-se de uma questão de escolha intima do profano e do Maçom, depois de iniciado. Para os seguidores das religiões institucionais o problema está resolvido, ipso facto: os cristãos jurarão sobre a Bíblia, os judeus sobre a Tora, os muçulmanos sobre o Corão, os hindus sobre as Vedas, Upanishads e Puranas, os Baha’i sobre o Kitab-i-Aqbas e por aí fora.
As dificuldades avultam quanto aos que crêem na existência de um Ser Divino eventualmente a Natureza mas que não se revelou por um livro ou texto que a comunidade dos homens se habituou a considerar sagrado. O que solenizará, então, a tomada de juramento do candidato? A Constituição do país, o juramento pelo GADU?
O texto do Landmark nº 7 é incontornável.
A tomada de juramento tem que se fazer sobre um Livro Sagrado porque isso simboliza a submissão do profano à grandiosidade da Obra do Deus que designamos por GADU, o reconhecimento da sua Omnipotência e Omnipresença e de uma vida para além da morte da nossa alma a seu lado. O que não significa a percepção do Livro da Lei Sagrada como o testemunho categórico da Sua Palavra, dos Seus Ensinamentos, da Sua Doutrina.
Ninguém gravou as Palavras de Deus ou o entrevistou para a posteridade, parece-nos. Apenas Moisés as ouviu transmitidas num sopro e as revelou ao povo judaico reunido no Monte Sinai.
E como se diz no Êxodos 19:1-2-3:
“1 No primeiro dia do terceiro mês depois de os israelitas deixaram o Egipto, naquele mesmo dia, chegaram ao Deserto do Sinai. 2 Partiram de Refidim, entraram no deserto do Sinai, e acamparam, no deserto, diante da montanha. 3. Então Moisés subiu até junto de Deus, e o Senhor o chamou-o dizendo: “É isto que dirás à casa de Jacob e ao povo de Israel: 4.Vós vistes o que eu fiz no Egipto, e como vos carreguei sobre as asas das águias e vos trouxe até a mim. 5. E agora, se me obedeceres inteiramente, e guardardes a minha aliança, então de todas as nações sereis o meu tesouro particular entre todos os povos porque é a minha terra inteira. 6. Vós sereis reino de sacerdotes e uma nação santa. Estas são as palavras que transmitirás aos israelitas.”
Foram homens que foram objeto do Seu Chamamento – os Profetas – que o transmitiram a outros homens que passaram esses ensinamentos a texto, texto que foi evoluindo ao longo do tempo, trabalhado por aqueles que de acordo com a tradição tiveram por missão retransmitir os seus ensinamentos.
Nessa medida, os Livros da Lei Sagrada são a exteriorização dessa teologia arcana, primordial, passada de boca a ouvido ao longo de centenas de gerações. É essa consciência do divino subjacente ao texto litúrgico que o torna sagrado.
Bastará a consciência do sentido de divino, nesse texto escolhido, para que a solenidade do juramento se sacralize e o postulante receba a Luz.
Um exemplo pessoal: não foi por ter tomado o juramento de me tornar Maçom na Bíblia e de o renovar ao longo do meu percurso maçónico que me tornei judeu ou cristão, atributos que não tenho.
Bastou-me a dimensão do divino no texto para prospectar essa presença divina, a procura da Palavra Perdida que marca a maçonaria e o seu caminho.
Os desígnios da Criação são insondáveis.
Ele escolheu para mim essa maneira de O chamar (e o receber em mim). Sinto-me bem com ela, acho que me tornou melhor homem, cônscio das minhas limitações e das minhas obrigações, mas isto sou eu. Outros O perceberam de outra forma: a sua.
Nunca devemos impor aos outros a forma e o caminho da escolha da procura do divino.
Na abertura dos trabalhos, num templo verdadeiramente extraordinário, decorado pelo Venerável Mestre que era ao mesmo tempo CEO de uma empresa de multimédia a operar na Tailândia, começou por ouvir-se uma melodia lindíssima tocada por instrumentos tradicionais e parafraseada com a mantra OM que chama à meditação os que veneram a religião budista.
Os três ou cinco minutos de silêncio de toda a Loja que acompanharam a subida da mantra, com a sala numa penumbra cerrada apenas contrastada pelo cintilar de pequenas lâmpadas incrustadas no teto azulado, conferiram ao conjunto uma dimensão de etéreo e sagrado que nunca veria jamais repetido.
Encerrada a meditação, o Venerável Mestre fez a invocação lendo um texto igualmente belo reproduzindo a reza de uma das tribos índias dos Estados Unidos e explicando como a invocação dos Antepassados e das forças da Natureza conferia a esses índios um sentido do divino e de respeito pelo transcendental que ele poucas vezes havia encontrado nas congregações cristãs tradicionais.
Nunca esqueci essas palavras nas décadas anos que se seguiram a esta cerimónia. Vivendo na Ásia em contacto com religiões e espiritualidades milenares, muito mais antigas que as existentes no Ocidente ou no mundo do Islão, constatei que somos por educação ou talvez por arrogância cultural dados a certas simplificações que diminuem a relação do homem com o divino, transformando-o à nossa imagem, como se Ele pudesse ser retratado, definido ou conceptualizado.
Recordo as palavras de Deus a Moisés retiradas do Êxodo 3:14. Quando Moisés o interrogou sobre qual o nome de Deus que deveria transmitir aos israelitas para confirmar que ele, Moisés, era o Mensageiro de Deus, Ele respondeu EU SOU QUEM SOU E SEREI (I shall be as I shall be). Dirás para os Filhos de Israel “O que É e Será mandou-me para vocês”. Deus é o arquitecto do plano de salvação que trará os homens em harmonia com Ele a salvação e aquele que os chamará para o Oriente Eterno quando esse tempo vier. Ele é indefinível, incorporal, não personificável, eterno.
Arnaldo M. A. Gonçalves – M∴ M∴
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