Esperar com paciência: explicando a Câmara de Reflexão

 

câmara de reflexão

Conforme se observa o crescente interesse entre os maçons na história e no significado das várias cerimónias da Ordem, nota-se que um dos objectos mais populares desse interesse é a Câmara de Reflexão, um espaço destinado a ser usado para colocar o candidato antes do início da sua iniciação. 

O objetivo desta sala é dar ao candidato um período de tempo para meditar e reflectir sobre o que está prestes a empreender. 

Como esta ideia se tornou recentemente mais intrigante para os Irmãos, cabe-nos buscar algum tipo de esclarecimento sobre o que é este procedimento, e por que pode ser considerado importante para a iniciação de um homem na Maçonaria.

Este tipo de cerimónia – de preparação para a iniciação por meio de um período de isolamento – tem estado connosco desde o início da história registada, em qualquer número de ritos iniciáticos básicos. Não é nada estranho ou alheio à experiência humana. 

É, no entanto, incrivelmente transformador no sentido em que permite ao candidato deixar de lado o mundo quotidiano que deixou para trás quando entrou no templo e focar adequadamente a sua mente no que está prestes a experimentar. Em qualquer caso, é o que lhe pedimos que faça.

Pedimos-lhe que reflicta sobre o que está para fazer e porquê, para que saiba que o faz por sua própria vontade e acordo, e, portanto, a Loja também pode saber isso mesmo. Verdadeiramente, num mundo onde tantas pessoas fazem coisas sem sentido, sem pensar, precisamos de reflexão e contemplação antes das nossas acções.

Mas a ideia de tal espaço contemplativo está enraizada não apenas nas práticas da maioria das cerimónias iniciáticas; também está enraizada nos primeiros dias da Ordem.

A publicação Maçónica Jachin e Boaz, publicada em Londres em 1762, descreve o uso do que claramente parece ser uma câmara nas Lojas que trabalham sob a Primeira Grande Loja da Inglaterra, como segue [texto em “bold” adicionado para ênfase]:

Logo após o Venerável Mestre perguntar, se o Cavalheiro proposto na última sessão da Loja, está pronto para ser iniciado; e ao ser respondido Afirmativamente, ele ordena aos Vigilantes que saiam e preparem a Pessoa, que geralmente está à espera numa Sala a alguma Distância da Sala da Loja, por si só, ou por ter sido deixado lá pelo seu Padrinho que o propôs. Ele é conduzido para outra sala, que está totalmente às escuras; e então perguntado se tem consciência de ter a vocação necessária para ser recebido? Ao responder Sim, é questionado sobre o seu nome, sobrenome e profissão. Quando responde a estas perguntas, tudo o que tem sobre si feito de metal é removido, como fivelas, botões, anéis, caixas e até mesmo o dinheiro no seu bolso lhe é retirado. De seguida, fazem-no descobrir o joelho direito e colocar o pé esquerdo com o sapato num chinelo; é vendado com um lenço e deixado com a sua reflexão por cerca de meia hora. A Câmara também é guardada por dentro e por fora, por alguns dos Irmãos, que empunharam Espadas nas suas mãos, para afastar todos os Estranhos, no caso de alguém se atrever a se aproximar. A Pessoa que propôs o Candidato fica na Sala com ele; mas não têm permissão para fazer perguntas ou conversar entre si. Durante este silêncio, e enquanto o candidato está se preparando, os irmãos na Loja estão a colocar todas as coisas em ordem para a sua recepção.

Este texto parece indicar que a sala é simplesmente uma, “que esteja totalmente escura”, e onde os irmãos “deixam [o candidato] com as suas reflexões por cerca de meia hora”. 

Mais importante, indica que uma câmara deste tipo, empregada cerimonialmente, era provavelmente bem conhecida dos irmãos londrinos da época de William Preston, o que pode ter inspirado aquele importante membro da Ordem a escrever aquelas palavras tão conhecidas em muitas jurisdições:

A sabedoria busca a sombra secreta, a cela solitária designada para a contemplação…

Esta frase pode ser obscura para os maçons hoje e o seu significado pouco claro. No entanto, não teria sido assim para os nossos antepassados Maçónicos do século XVIII, irmãos que sabiam instantaneamente a que é que aquela “célula solitária” aludia.

Portanto, se sabemos que este tipo de procedimento estava connosco desde os primeiros dias da Maçonaria especulativa, o que lhe aconteceu? Como é que isso da nossa memória organizacional? Para onde foi a Sala? Pondo de lado a usurpação do procedimento por quaisquer órgãos apêndices ou concordantes, pode-se encontrar uma explicação bastante monótona, embora especulativa, para a perda. Podemos encontrá-la dentro das nossas Lojas.

Observe que na descrição da Câmara acima, todos os outros aspectos da preparação para a Iniciação decorrem na mesma sala. O que estamos a referir então é o que agora conhecemos como a sala de preparação do candidato. Ela foi preguiçosamente degradada com o tempo, tanto no seu propósito quanto na sua aparência, tornando-a totalmente irreconhecível para os Irmãos como uma Câmara de Reflexão e, portanto, inteiramente esquecida pelo que deveria ser.

Longe de ser um mero vestiário, um depósito auxiliar ou uma sala de conversa para os Oficiais, este espaço é destinado ao candidato. Ele existe para o preparar literalmente da maneira sugerida acima, e a nossa negligência quanto a esta preparação mais espiritual e psicológica, desviou-se tanto, que alguns irmãos dão por si procurando outros espaços físicos nos nossos templos para criar este importante período de tempo para o possível Iniciado.

Mas o que há neste espaço? 

O que é que deve estar neste espaço? 

A restauração adequada desta prática requer a consideração destas questões. 

Em algumas obediências da Maçonaria Europeia, cujos elementos foram importados por um punhado de lojas norte-americanas, o conceito da câmara foi expandido para uma montagem sobrecarregada que pode acabar por ter mais itens enigmáticos do que a própria sala da Loja. Não é como deveria ser.

Uma Câmara de Reflexão não é apenas um lugar onde se coloca tudo o que se pensa ser místico, a ponto de a sala ser vestida como uma exibição de Halloween. 

Ela deve ser escura e minimamente indicadora, de modo a que o candidato possa ser levado a reflectir sobre si mesmo, e não sobre outros itens na sala. Claro que, isto não quer dizer que não deva haver nada na sala. Se quisermos ser consistentes com o nosso ritual, entretanto, nada deve ser colocado numa Câmara de Reflexão que não seja de alguma forma explicado ao candidato quando ele recebe os graus.

Um método seria ter uma mesa e cadeira simples de madeira, sobre a qual é colocada uma única vela, uma ampulheta e um símbolo de mortalidade. A vela simboliza a vida tanto quanto a luz, o símbolo da mortalidade, e a ampulheta o intervalo entre eles, tanto no sentido literal quanto simbólico. Todas estas coisas serão explicadas ao candidato em devido tempo por meio dos nossos rituais e, em certo sentido, ele tem diante de si todas as lições da Maçonaria, de uma forma que não confunde nem revela, mas simplesmente e significativamente educa.

Esta abordagem reconhecidamente minimalista é importante porque a verdadeira força de uma Câmara de Reflexão não está no que está na sala, mas no que está no indivíduo. 

A câmara destina-se a confrontá-lo consigo mesmo, e não a distraí-lo com uma série de ornamentos curiosos, que, embora possam ter validade genuína em algum ponto do caminho contemplativo de uma pessoa, não necessariamente pertencem ao lugar e tempo específicos, atribuídos a uma Câmara de Reflexão.

Também importante é a capacidade do indivíduo de sair da sala pela sua própria vontade e acordo, da mesma forma que entraria na Loja. 

O uso de uma Câmara de Reflexão é talvez a única acomodação que fazemos a um profano, não apenas para lhe dar plena liberdade de escolha na situação, mas para enfatizar o fato de que a sua jornada Maçónica é no sentido mais verdadeiro, interno, e que, em última análise, só ele deve controlar. 

Ele recebe aqueles poucos minutos antes da Iniciação para reafirmar – para si mesmo – a escolha que fez de ingressar na Ordem. A decisão não deve ser tomada levianamente e, portanto, ele deve ter uma última oportunidade para confirmar essa decisão em particular, silenciosa e solenemente.

Quanto à preparação da sala propriamente dita, surge a questão de como recriar tal espaço num templo que perdeu totalmente a noção da prática e, portanto, pode não ter uma ideia de como a implementar. 

Existem dois aspectos importantes na criação deste espaço: o espaço em si e o que está a acontecer fora dele. Encontrar o espaço real é a parte fácil. No entanto, uma preocupação comum entre os Irmãos que desejam restaurar esta cerimónia é que não têm uma sala que seja isolada o suficiente para fornecer ao candidato o verdadeiro silêncio, pois os Irmãos da Loja vão chegando, conversando e rindo, e geralmente falando alto sobre a preparação para o grau. Este é talvez o primeiro obstáculo a superar.

Os Irmãos da Loja devem observar o decoro adequado na preparação para uma Iniciação. 

Primeiro, porque o comportamento dos irmãos é a primeira impressão que o candidato terá da Loja e, segundo, porque é simplesmente cortês para com o próprio candidato enquanto se prepara para a experiência. Os irmãos devem conduzir-se com uma solenidade que torne qualquer parte do templo um espaço contemplativo. Com esta filosofia orientadora para a noite, a questão de onde o candidato estará, torna-se muito mais fácil de responder.

Num sentido prático, a moderna sala de preparação, como a encontramos, pode não ser adequada como uma Câmara de Reflexão. Em muitas lojas, ela foi projectada para ser um espaço maior, para acomodar a prática de iniciar vários candidatos, ou outros propósitos, e realmente não oferece a intimidade pretendida. Em tal situação, cada Loja terá que determinar por si mesma se tal espaço pode ser encontrado nas instalações. A maioria das Lojas terá algum outro espaço adequado que pode ser usado. Caso contrário, pode ser possível construir um recinto permanente ou temporário que pode ser instalado dentro dos espaços existentes da Loja.

Com a história, o método e os aspectos logísticos de uma Câmara de Reflexão sendo tratados, isto traz-nos de volta à questão de porque é que as Lojas deveriam fazer isto.

O Grau de Aprendiz não é uma reflexão tardia. Não é um mero trampolim no caminho de uma coisa para outra. 

É a base essencial sobre a qual o Templo simbólico de Salomão foi construído. É o lugar onde se aprende as primeiras lições sobre o que significa ser Maçom; é a pedra angular a partira da qual todo o Maçom é construído. Mas em tantas Lojas americanas hoje, o grau de Aprendiz é quase visto como um obstáculo inconveniente, mas necessário, arranjado e executado às pressas, com o conselho desdenhoso dado ao novo Maçom de que ele não precisa de “se preocupar” com nada até que ele seja elevado a Mestre Maçom. Ele nem mesmo precisa de “se preocupar” em comparecer nas sessões da Loja, porque, de qualquer maneira, as comunicações são feitas apenas no terceiro grau. Em algumas jurisdições, até mesmo os testes de proficiência foram abandonados, o que significa que o Aprendiz não precisa de fazer nada mais do que esperar o tempo passar, até que a Loja possa conferir o próximo grau.

Em nenhuma outra profissão um Aprendiz seria afastado do trabalho imediatamente após ser contratado. Seria impossível, pois ficaria totalmente incapaz de aprender essa profissão. Mas, de alguma forma, em muitas áreas da Ordem, assim como em muitas áreas das nossas vidas hoje, fixamo-nos apenas nas recompensas finais de uma busca, desconsiderando totalmente o carácter e o processo de construção de conhecimento envolvidos na obtenção dessas recompensas. Descartamos a jornada em si, bem como a recompensa intrínseca de aprender nessa jornada, por causa de uma ascensão absurdamente rápida a títulos e bugigangas. Permitimos que esta situação perdurasse por muito tempo e precisamos de a remediar.

O impacto do grau de Aprendiz no Iniciado deve ser restaurado, e esta cerimónia de preparação, restaurada no seu lugar apropriado, ajuda a realizar isso. Isto imediatamente transmite ao candidato um sentimento de total seriedade, em todos os aspectos coerentes com os nossos próprios ensinamentos sobre os nossos graus e a nossa instituição. Fornece uma das poucas oportunidades na vida moderna para um homem contemplar o seu propósito e as suas intenções, mesmo que apenas por alguns minutos; ao fazer isto, reforça a ideia de que a Maçonaria pede que ele o faça continuamente à sua maneira a partir deste momento em diante, ao longo da sua vida Maçónica, bem como da sua vida pessoal.

A oposição a uma Câmara de Reflexão como uma “inovação” não seria apenas incorrecta, mas também um tanto dissimulada, já que a sua existência não é desconhecida por muitos Maçons hoje. 

Uma Câmara de Reflexão é usada atualmente antes dos graus Templários, uma ordem fraternal separada que é estritamente limitada aos Maçons cristãos. Mas esta cerimónia foi retirada dos graus azuis em algum momento e transferida para aquela ordem. A impressão confusa que é dada por tal acto é que apenas os Maçons cristãos são dignos de ter tal reflexão. Dado que esta cerimónia é uma preparação para a iniciação, a sua ausência das Lojas Simbólicas envia uma mensagem igualmente confusa através de toda a fraternidade e além, de que a pessoa não é realmente iniciada, ou seja, não é um “verdadeiro Maçom”, até e a menos que se torne um Cristão. 

Aqui, novamente, não é como deveria ser, pois claramente não é o que foi pretendido por uma organização que não é uma religião, não professa nenhuma religião em particular e pede apenas o requisito universal de que o homem afirme uma crença na divindade. 

Se a prática deve ser considerada válida para aqueles Maçons que procuram entrar para um corpo externo, ela não pode ser considerada inválida para qualquer homem que será feito Maçom. A Câmara de Reflexão pertence à Ordem.

Quando consideramos o significado da Câmara, o seu lugar válido na história do nosso ritual da Ordem e o profundo efeito que ela tem sobre os Irmãos que a experimentam, seríamos realmente tolos em não restaurar esta prática nas nossas Lojas. Tem precedentes, ajuda a restaurar o mistério às nossas cerimónias e é uma parte que falta nas Lojas Simbólicas e que deve ser recebida de volta nas nossas Lojas com a mesma sensação de alegria que sentimos ao encontrar uma herança há muito perdida. 

Numa época em que as Grandes Lojas, por todo o lado, estão a procurar expressar porque é que a Maçonaria é e deve ser significativa, esta cerimónia simples de introspecção é o precursor ideal para estabelecer aquele significado inicial e sinceridade em tudo que fazemos como Maçons.

Andrew Hammer

Tradução de António Jorge

Comentários